A pobreza é uma inevitabilidade, mas só se nós quisermos

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Por Carmo Rodeia

Às vezes quando lemos determinadas notícias sobre a pobreza e os pobres ficamos com a sensação de que a pobreza se cola à vida de uma pessoa e nunca mais a larga. Dizem-nos os especialistas que são precisas décadas para alterar o ciclo de pobreza. E serão precisas muitas mais se as opções que entretanto formos tomando não forem ao encontro das necessidades dos pobres.

Volto a um tema que me é caro porque nunca é demais regressar a este assunto, numa região onde 28,2% da população é pobre ou vive em riscos de o ser, como atestam todos os estudos feitos sobre a temática nos Açores, ano após ano, ciclo político após ciclo político. Ainda no passado mês de outubro, num ensaio de Joel Neto, o Expresso dava conta que nos Açores viviam “Os pobres dos mais pobres”.

“Com regularidade ou em permanência, os Açores lideram virtualmente todos os rankings nacionais de subdesenvolvimento humano. Lideram, desde logo, na maior parte das tabelas mais negras da economia: o desemprego (fora flutuações sazonais), a exclusão social e a desigualdade na distribuição dos rendimentos, a dependência do rendimento social de inserção (RSI), com o triplo da taxa nacional, muitas vezes, e a subsidio-dependência em geral, o défice de ascensor social, a taxa de pobreza e a pobreza persistente, para citar apenas as principais classificações” dizia o escritor que tal como eu escolheu os Açores para criar o filho. Criei três e considero que em nenhuma outra terra os teria criado tão bem. Acompanho o Joel Neto quando ele diz que para uma família de classe média não há melhor sítio para criar e ver crescer os filhos. Agora, que já estou na fase dos netos, não me importaria de os criar também nos Açores. Mas para isso era preciso que os pais quisessem regressar a casa e tivessem essa possibilidade como tantos outros filhos de casais amigos que saem para estudar e não regressam à ilha porque a ilha não tem respostas para lhes dar. Se calhar este é um dos males que se acrescenta à pobreza dos mais pobres…

No ano passado moderei os debates promovidos pelo Instituto Católico de Cultura da diocese de Angra, em parceria com a RTP Açores, sobre, entre outros, quem são os pobres hoje e um dos convidados, o ex-presidente da Cáritas, Eugénio da Fonseca, respondia: “Os pobres materiais de hoje são sobretudo pessoas licenciadas, jovens, com muita informação e que de um momento para o outro viram a sua vida virada do avesso”. Mas há outros pobres: aqueles que não têm ferramentas para dar a volta à vida e sempre a tiveram virada do avesso; que não têm estudos nem os conseguem dar aos filhos; que dependem da ajuda do estado e da igreja para poderem sobreviver… Aqueles que são vitimas de um modelo social que não tem sabido distribuir a riqueza de forma correta, apesar de muitos milhares de euros investidos em programas de luta contra a pobreza.

O coordenador nacional da Liga Operária Católica/Movimento de Trabalhadores Cristãos (LOC/MTC), que participou na conferência anual  promovida pela Comissão Nacional Justiça e Paz, colocando em diálogo trabalhadores e empresários em defesa por salários justos contra a pobreza, defendeu que o aumento salarial deste ano (para começar!) deveria ser “à volta dos 10%”, para responder à escalada da inflação.

Américo Monteiro considerou “evidente que qualquer aumento que não supere os 8% é perda de poder de compra” para os trabalhadores que têm andando de perda em perda até à pobreza total.

O entrevistado, no programa conjunto da Rádio renascença e da Agência Ecclesia, admitia que o salário mínimo nacional “tem dado um bom salto”, nos últimos anos, mas o combate à pobreza “faz-se com rendimentos superiores a essa referência”, recordando que “metade dos trabalhadores por conta de outrem em Portugal ganham um salário até 800 euros”.

Também o presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) considera uma “situação injusta” a existência de “muitos trabalhadores” pobres e que “o salário médio esteja muito próximo do salário mínimo”, no país.

“Verifica-se em Portugal a existência de muitos trabalhadores que são pobres e o trabalho não os livra da pobreza e é uma percentagem significativa”, afirma o Juíz Pedro Vaz Patto.

A justa remuneração é uma forma de realização da pessoa no espaço laboral e o salário justo é aquele que assegura condições de vida dignas para o trabalhador, sendo de absoluta relevância os princípios da Doutrina Social da Igreja para a interpretação desta questão. Nos Açores, em Portugal e no mundo. Quem trabalha e não consegue viver de forma autónoma é porque o salário não há de ser grande coisa. Aliás, quando se anuncia que os Açores são a região do país que mais depende do Rendimento Social de Inserção esquece-se de dizer que grande parte dessas pessoas trabalha e tem no RSI um complemento para poder suprir as necessidades básicas. Bastas vezes já se escreveu, de resto, o perfil tipo do beneficiário do RSI na Região: Mulher, solteira, algures entre os 35 e os 44 anos, residente em São Miguel e com um rendimento mensal igual ou inferior a 189,66 euros. Assim é o perfil do beneficiário de Rendimento Social de Inserção (RSI) nos Açores, a região com maior nível de pobreza extrema no país.

Este fim de semana, por conta da organização humanitária Oxfam ficámos a saber que durante a pandemia 1% da população mundial arrecadou mais de metade da riqueza mundial.

Lançado para coincidir com o primeiro dia do Fórum Económico Mundial em Davos, na Suíça, o relatório intitulado “Sobrevivência dos mais ricos” revela que 63% de toda a nova riqueza criada desde 2020, no valor de 42 triliões de dólares (39 biliões de euros), beneficiou apenas 1% da população mundial. O montante representa quase o dobro do dinheiro ganho pela restante população mundial (99%).

Segundo o estudo, os multimilionários aumentam a respetiva riqueza em 2700 milhões de dólares (2500 milhões de euros) por dia, numa altura em que o mundo está a ser afetado por uma crise do aumento do custo de vida, em que a inflação cresce mais do que os salários.

A vida não está fácil. Para ninguém! Mas estará certamente muito pior para os que trabalham e não conseguem sair da pobreza.

Será precisa uma revolução muito profunda que passe por um pacto educativo inovador que tenha a pessoa como principal foco e não a economia. É preciso,  por outro lado, um modelo económico que promova o emprego e uma distribuição justa da riqueza produzida de forma a reforçar-se a classe média. Boa parte das causas da pobreza está no sistema e não nos indivíduos. Por isso é que os pobres de hoje, mais coisa menos coisa, continuam a ser os de sempre: os que trabalham e não conseguem sair do ciclo de pobreza em que se encontram. E os Açores não são excepção.

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