Mãe, e os `lilifantes´?

Por Carmo Rodeia

Há uma história familiar que me veio ontem à lembrança por causa de uma noticia que li no the Guardian: um elefante que entrou, literalmente, por uma cozinha adentro, na Tailândia, à procura de “qualquer coisa para comer”.

A notícia avança que não é a primeira vez que tal acontece; é frequente naquela zona de parque natural os elefantes mostrarem-se nos povoados à procura de comida.

Este elefante fez-me recuar até há 21 ou 22 anos atrás quando o João tinha pouco mais de dois anos e foi com o Francisco ao Circo, em Ponta Delgada, na Calheta Pêro de Teive. O João queria muito ver os elefantes mas o sono apertava e os elefantes não chegavam. O João tem uns olhos doces, grandes, expressivos, que falam mais do que ele. E de olhos escancarados, à espera que os elefantes chegassem dormia por dentro, ao colo do avô. Quando terminou o circo, a primeira pergunta do João foi: “oh, mãe e os lilifantes?”

Conclusão óbvia: o João tinha estado de olhos abertos mas não viu nada porque o sono era mais forte do que a vontade de ver os tão falados “lilifantes”. A partir daí quando alguém olha e já não consegue ver nada ou está com sono dizemos logo, em família, “já não vês os elefantes”, numa alusão ao nosso João.

Onde é que esta história vai dar? É simples: a fome do elefante pode ser a metáfora dos nossos dias. Como o elefante há milhões de pessoas a quem a pandemia roubou quase tudo, até um prato de comida e que deixaram de ser vistas.

Esta pandemia que ainda teima em fazer-se presente tem nos roubado a vida, a liberdade, os afectos, o emprego, a comida…

Aliás, hoje mesmo, ficámos a saber que a pandemia terá feito passar à condição de pobreza 400 mil pessoas em Portugal, agravando a taxa de risco de pobreza para 23% e acentuando as desigualdades de rendimentos. Os 5% mais ricos em Portugal ganharão agora 8,3 vezes mais do que a restante população, estima o Centro de Economia para a Prosperidade, da Universidade Católica, que desenvolveu o estudo.

Se a doença e a morte ficaram muito mais palpáveis com a pandemia, o que leva a recordar o valor da vida,  não é apenas o ser humano que está doente, a nossa Terra também está, como nos recorda o Papa Francisco na encíclica Laudato Si. A exploração indiscrimanada dos recursos naturais e as mudanças climáticas, que provocam, por sua vez, insegurança alimentar e desastres ambientais ; há uma acentuada crise humanitária que se expressa de várias formas, em Portugal e no mundo, com o tráfico e exploração de seres humanos, do ponto de vista laboral ou sexual…

 

Esta pandemia veio sublinhar a necessidade de uma nova revolução coperniciana, como alerta Francisco. Uma revolução que coloque de novo a economia ao serviço do homem e não o contrário.

Mas, a verdadeira crise e é aqui que entram os olhos do João, é a crise dos relacionamentos humanos, o sermos capazes de olhar para o outro e estender-lhe a mão, qualquer que seja a sua natureza, a sua raça, a sua religião, a sua cor de pele…

“O ano de 2021 é um tempo a não perder; e não se perderá na medida em que soubermos colaborar com generosidade e empenho. Neste sentido, considero que a fraternidade seja o verdadeiro remédio para a pandemia e os inúmeros males que nos atingiram. Fraternidade e esperança são remédios de que o mundo precisa, hoje, tanto como as vacinas”, como lembrava o Papa Francisco há dias.

 

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