Presépio da Casa dos Manaias já está disponível

Cerca de 400 peças animam a dinâmica deste projecto

Cerca de 400 peças, umas novas outras antigas, fazem o presépio da Casa dos Manaias, que foi exposto esta semana em Ponta Delgada e para o qual alguns utentes daquele centro trabalharam todo o ano.
As peças feitas durante este ano são todas em barro e misturam-se com as que já vêm de outros “Natais” e são feitas dos mais variados materiais, dando-se primazia aos produtos naturais e recicláveis.
O presépio está exposto no edifício da antiga Livraria Gil, em Ponta Delgada, e pode ser visitado até 06 de janeiro.
Orgulhosos do seu trabalho, os utentes da Casa das Manaias, projeto de inclusão social desenvolvido pela Câmara de Ponta Delgada, tecem elogios ao presépio.
Para Sérgio Botelho, o resultado final ficou “lindo demais”.
Como a maioria dos utentes do centro ocupacional, quando chegou à Casa dos Manaias Sérgio Botelho tinha passado pela condição de sem-abrigo. Hoje, com 43 anos, diz que é “o utente mais velho da casa”, não em idade, mas por participar no projeto de inclusão social desde o seu início, em 2013.
Este ano, trabalhou, principalmente, no Mercadinho de Natal. No presépio, ajudou na montagem e é autor de uma peça de que se orgulha: “Uma casa muito grande, em casca de pinho, que levou quase dois meses e meio a fazer. Deu muito trabalho, mas ficou…”, disse, sem encontrar a palavra certa para exprimir a qualidade da peça.
“Está aqui no presépio e já está há três anos consecutivos. É a Casa das Vindimas”, afirmou.
Foi o vício do álcool que o levou para a rua. Reabilitou-se antes de entrar na Casa e recaiu. Limpou-se de novo, por motivos fortes: “Tenho um filho e ele quer ver o seu pai limpo. Tem 11 anos e por acaso tem boas notas”, conta à Lusa.
Agora, vive numa casa, arrendada com o apoio do Governo Regional, que divide com a companheira, Clara Medeiros, para quem Sérgio foi um “anjo da guarda”.
“Eu estava um bocadinho perdida. Era… não digo tanto toxicodependente, mas experimentei um pouco de tudo”, explicou Clara.
Foi pela mão de Sérgio que Clara chegou à Casa dos Manaias. Hoje está “limpa” e continua a frequentar o centro, onde aprendeu a “estar de novo na sociedade”.
Para João Rodrigues, utente há três anos, estar neste projeto é “muito importante” porque o deixou “mais sossegadinho”, já que “antes, andava meio descontrolado”, confessa.
“Orgulhoso” com o resultado, partilha com muitos dos utentes a mágoa de o presépio não entrar no concurso do Dia das Montras, que acontece este domingo.
Quem também ajudou a fazer peças e a pintá-las foi Liberto Pimentel, que chegou a Ponta Delgada em 2010, depois de 40 anos passados nos Estados Unidos da América e para quem a língua portuguesa ainda é um desafio, como explicou à Lusa, em inglês.
O ex-emigrante procurou respostas na Casa dos Manaias “porque estava aborrecido todo o dia”.
“Passava o dia em casa a ver televisão. No início, nem percebia o português na televisão. Falava português com os meus pais, mas aqui é completamente diferente. Nós misturávamos o inglês com o português…”, contou.
Para o presépio, fez várias figuras e pintou “a maioria”, salientando que o resultado é fruto de um trabalho de grupo, mas admite espaço para o reconhecimento individual: “Estou orgulhoso no meu trabalho. Eles estão orgulhosos no meu trabalho, por isso eu estou orgulhoso no meu trabalho. Está ótimo”.
Este é o segundo Natal que passa na Casa dos Manaias, onde encontrou a resposta que não teve noutras instituições, que têm regras e não aceitam consumos.
“Estive nas ruas durante quatro meses, eles ajudaram-me a arranjar um quarto. Estaria na rua agora, provavelmente, se não tivessem sido eles. Estive na rua duas vezes desde que cá estou. Na América isso não aconteceria. Na América tinha muitos amigos, tinha sempre onde ficar”, disse com mágoa.
Deixou a freguesia da Ribeira Quente com três anos rumo aos Estados Unidos. Hoje, com 53 anos, é lá que tem toda a família e amigos. Com a mãe, que já o visitou duas vezes em São Miguel, fala todas as semanas. Com a filha, falou duas vezes em nove anos.
Sem esperança, não pondera regressar. “Dizem que depois de dez anos temos a oportunidade de voltar, mas eu duvido muito, especialmente com o Trump no poder. Não vou fazer nada em relação a isso”, afirmou desanimado.
A socióloga Mariana Carvalho, que integra o projeto há cinco anos, explicou que o objetivo deste presépio “é dar aos utentes a hipótese de viver esta época e que eles sintam que fazem parte da sociedade”.
“Para viverem esta festa que é tão bonita, é uma festa de família, e eles sentem-se parte de uma família”, rematou.
A Casa dos Manaias é um centro ocupacional da Câmara Municipal de Ponta Delgada, que serve a população sem-abrigo, garantindo refeições quentes, atividades de ocupação, como artesanato, carpintaria, agricultura ou informática e acompanhamento psicológico.
(Com Lusa)
Scroll to Top