Não têm nada a perder

Por Tomaz Dentinho

Na semana passada tinha agendado uma reunião com o Professor Idrissa Embalo da Guiné Bissau em Lisboa para tratar da difusão da Ciência Regional (www.regionalscience.org ) na África Ocidental e aproveitando uma ocasião em que ambos estávamos de passagem por aquele nó entre o Atlântico e o Leste, entre África e a Europa. Conforme tínhamos combinado contactámo-nos na véspera para acertar o lugar do encontro, mas a o Professor Idrissa Embalo disse-me que não seria possível:

“Boa noite. Estou sem palavra. O Cônsul da Embaixada de Portugal em Bissau continua a fazer demorar (rejeitou?) uma devida autorização de vistos de entrada na Europa a dois membros da nossa delegação. Por esta razão não viajamos ainda. Só os Deuses e o “superpoderoso cônsul” sabe se a missão para a nossa Nação será realizada ou não. As vezes somos obrigado a pensar que o caso do Marega no Guimarães é quotidiano que se vive em várias e variadíssimas instituições públicas portuguesas começando nos piquetes e esquadras de polícias de Portugal, transcendendo as fronteiras portuguesas, viajando até aos serviços consulares de Portugal em vários cantos do mundo, sobretudo em África. Muita hipocrisia. Um forte abraço. Idrissa”.

Julgo que o cônsul  está a prestar um mau serviço às pessoas, a Portugal e ao mundo com estes atrasos. Julgo que não há qualquer razão para atrasar vistos e, se houver razão para os recusar, os consulados devem estar informados para essa decisão. A irresponsabilidade dos serviços consulares nesta matéria limita fortemente a cooperação internacional de Portugal designadamente com os países que falam português. Enviei estas notas ao Presidente da República e informei o Professor Idrissa Embalo sobre o seu conteúdo. A sua resposta contém elementos que alertam a nossa culpa nas mortes do Mediterrâneo e por isso acho importante transmiti-las.

“Caro Professor Tomaz Dentinho e amigo!

A mim, me faltam palavras suficientemente adequadas para agradecer esta tamanha solidariedade para connosco, para com o nosso país e para com a África. Este forte engajamento do Professor permite que a nossa voz seja ouvida nos patamares mais altos dos decisores. Este tipo de input faz-nos revitalizar. Revitalizar sim porque, em África, estamos cansados de gritar, já que, segundo nosso entender, (quase) ninguém nos “dá ouvidos”. Umas das razões porque os nossos jovens entendem que perderam as esperanças e acham que “não têm nada a perder” e daí, preferem arriscar suas vidas, por exemplo, nas “caminhadas” via Mediterrâneo. As consequências são sobejamente conhecidas. Sabemos que eles não vão desistir enquanto a situação e a realidade prevalecerem nos nossos países como elas são.

Mas, como acreditamos que a “esperança é a última a morrer”, isto sobretudo ao sabermos, mais uma vez, que contamos sinceramente com pessoas especiais, pessoas compreensíveis e bondosas, pessoas muito sensíveis às situações adversas da África, tais como: (i) o Professor Rebelo de Sousa, Presidente da República Portuguesa, ao qual tenho grande simpatia e admiração, aliás tal como a grande maioria das minhas irmãs africanas e dos irmãos africanos do que conheço, (ii) o próprio Professor Tomaz Dentinho, meu amigo e sei que é um grande amigo da África. A minha gratidão sincera; as nossas sinceras gratidões. OBRIGADO mais uma vez!

Aquele forte abraço, Idrissa”.

A questão não é de somenos e vale a pena pensar o que se pode fazer para melhorar o que está mal. Primeiro é necessário aproveitar e reforçar o nosso conhecimento em África para identificar as pessoas que não é conveniente dar visto facilitando para todos os outros a passagem do visto. A tarefa dos consulados e embaixadas em países de fraca governança é identificar e conhecer a governança séria porque é essa que permanece. Segundo é necessário aproveitar e reforçar o nosso conhecimento em África para facilitar a vida aos portugueses que aí se querem instalar e trocar. Se assim não for somos apenas polícias maus da Europa que ajudam a afundar pessoas no Mediterrâneo, em vez de sermos agentes de paz de Portugal e de África.

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