Golpe de morte à Ilha das Flores

Por Renato Moura

Reza a história que o P.e José Furtado Mota, natural de Santa Cruz, fundou o movimento cooperativo nas Flores, vanguarda no cooperativismo ao nível nacional. O Sindicato dos Lavradores da freguesia do Lajedo, onde paroquiava o P.e Mota, encontrava-se em actividade pelo menos desde 1915 e os seus estatutos foram elaborados em 1916. Os lavradores nessa época eram instrumentos do poder económico e político. Entregavam as suas produções e ficavam na dependência dos industriais e comerciantes locais. A criação das cooperativas projectou-se por toda a ilha e permitiu levar os produtos para Lisboa, sem intermediários e por isso com todo o proveito para os produtores: a libertação.

A ilha das Flores – a famosa – na qualidade e quantidade na produção de manteiga: em 1916, só do concelho de Santa Cruz, foram exportadas 69 toneladas de manteiga. S. Miguel, em 1924, apenas exportou uma tonelada de manteiga e queijo. Estas e outras coisas podem estudar-se no rico espólio da imprensa florentina, ou também no livro “Tosões de Ouro Açores – séculos XV-XXI” de Pierluigi Bragaglia.

Perante as dificuldades da Cooperativa Ocidental, das Flores, o Secretário Regional da Agricultura declarou, recentemente, que o Governo não pode sustentar uma fileira que é um prejuízo e que não é aceitável que o erário público esteja a injectar dinheiro. E empurrou os produtores de leite, só para a produção de carne [José Matos, Professor da Universidade dos Açores, não o aconselharia].

E a SATA?! E os clubes desportivos?! E …?

Golpe certeiro e fatal! Não se sabe a troco de que promessas, mas os produtores da cooperativa, levados pelo Secretário Regional (ou por uma unanimidade de duvidosa liberdade!), embarcaram na decisão de abandonar a produção de leite! O Presidente da Cooperativa, gestor imperdoável da crise, foi pedir à Comissão de Economia para se respeitar a decisão dos produtores; quanto mais depressa melhor!

Pois é: já em 1918, o “Boletim Eclesiástico” citado pelo “Jornal-Rádio” das Flores, acautelava: “É necessário, porém, muito cuidado na escolha dos que hão de constituir esses sindicatos [cooperativas], porque basta um sócio mal orientado para desorganizar e arrastar à ruína toda a associação”. Nesse tempo a Igreja ocupava-se do espírito, mas cuidava da defesa dos pobres.

Estamos perante a aceitação de um pedido de suicídio assistido, apenas com garantia de pagamento das despesas de funeral [dívidas] e empregos para quantos assistem à agonia final!

Estão todos a deixar-se tosquiar deitados; indignamente! Todos aqueles com obrigação neste processo, directa, indirecta, por obediência ou por abstenção, são responsáveis: por ultrajarem a luta e trabalho de gerações de antepassados ao longo de mais de 100 anos; por não respeitarem a luta de quem com persistência e coragem pelejou e obrigou à construção da fábrica de lacticínios; por perderem a honra

própria do exercício das funções, engolida por atroz incapacidade de liderar a imprescindível luta; por deserdarem os vindouros, deixando menos do que receberam.

Se este fosse o fim de mais de 100 anos de cooperativismo, ficariam para a história, pelos piores motivos, governantes, deputados, autarcas, produtores, gestores da cooperativa. Todos juntos eternamente responsáveis pelo fim de produtos de qualidade e prestígio que a Ilha exporta.

Há muito que os conscientes sentem gravemente ameaçado o futuro económico e social da Ilha das Flores. Seria mais um golpe fatal. Estar-se à beira do precipício! Dar-se mais um passo em frente!

Ficaria aberto o caminho para um dia se dizer que a Ilha é um prejuízo, e que não é aceitável que o erário público esteja a injectar dinheiro. Assim e então a decisão seria fechar esta ilha! E sucessivamente outras!

– P.e Mota, “Ora pro nobis”.

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