“Pedir perdão é pouca coisa”: D. Armando Esteves quer abrir espaços de escuta e acolhimento para as vítimas

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Bispo de Angra afirma “profunda vergonha e dor” e promete “tolerância zero” contra os abusos

O pedido de perdão às vitimas de abusos sexuais na igreja católica “é pouca coisa” afirmou o bispo de Angra esta tarde em Ponta Delgada numa reação ao relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica.

“Pedir perdão em nome da Igreja é pouca coisas; gostaria de o poder provar e fá-lo-emos:  se alguém quiser  procurar-me, como tanta gente o faz, estarei disponível tal como a Comissão diocesana para o atender” disse D. Armando Esteves aos jornalistas esta tarde no Centro Pastoral Pio XII, em Ponta Delgada.

“Ao acabar de receber o relatório não posso deixar de exprimir a profunda vergonha que sinto e até  dor, que não se compara em nada com a que será  a dor das vítimas e é para elas que vai a minha primeira palavra” disse o prelado garantindo que nunca as abandonará.

“Gostaria de dizer às vítimas que em momento algum se sentissem sós, não estão sozinhos; se já tínhamos uma Comissão Diocesana comprometida agora, por maioria de razão ainda estará mais”, afirmou garantindo que na diocese insular  “continuará este espaço de escuta, de acolhimento a quem o pedir”.

“O que queremos é que não volte a acontecer nos nossos ambientes o que hoje estamos a lamentar” disse ainda, alargando a sua “solidariedade” a todos os que “não quiseram ou não conseguiram exprimir em queixa o lamento e a dor que sentem”.

“Também para eles vai a minha solidariedade no seu silêncio”, afirmou.

O bispo de Angra deixou ainda uma palavra para os abusadores pedindo-lhes que também eles possam pedir perdão “às vítimas e a Deus”.

“Neste contexto gostaria de dizer  que se há vitimas há também abusadores e a esses só posso dizer que assumam com dignidade e verdade as faltas cometidas. Pedir perdão a Deus não chega, será preciso pedir perdão às vítimas”, disse ainda.

De olhos postos no futuro e ciente de que no próximo dia 3, juntamente com todos os bispos, na Assembleia Extraordinária da Conferência Episcopal Portuguesa, sairão medidas concretas para acolher as sugestões da Comissão Independente que hoje terminou o seu trabalho, o bispo de Angra, que chegou à diocese há um mês, reafirmou a sua determinação em manter “tolerância zero” em relação aos abusos.

“Da minha parte e da da diocese haverá  tolerância zero neste campo; não toleraremos este tipo de procedimentos como é evidente e tudo faremos para que sejam erradicados definitivamente não só na Igreja mas também na sociedade”, disse o prelado.

“Este relatório é um estudo encomendado  pela Igreja para,  a partir daqui, estudarmos estratégias para o futuro. A Comissão Diocesana que temos é já um exemplo e vai continuar o seu trabalho de formação em ordem à prevenção”, adiantou ainda. E,  “mesmo que haja crimes prescritos, para a Igreja não há prescrição: as vítimas serão pessoas que queremos continuar a ouvir, a acompanhar e a ajudar”.

“O grande desafio é que em todo o lugar a Igreja seja um espaço seguro e cada comunidade cristã seja um lugar seguro para crianças”, enfatizou prometendo analisar cada caso que venha a surgir, já que o relatório da Comissão Independente apresenta oito casos de alegados abusos ocorridos em cinco ilhas.

“Para mim foi uma novidade porque não chegaram denúncias nem sequer à Comissão Diocesana, mas os investigadores estiveram três dias a analisar os arquivos da diocese e agora vamos ver o que resultou dessa consulta”, conclui.

Durante a declaração aos jornalista, o bispo de Angra foi acompanhado por Maria do Sameiro Amaral, advogada e membro da Comissão Diocesana de Prevenção e Acompanhamento de eventuais casos de abusos sexuais de menores por parte de membros do clero, que reiterou a disponibilidade deste grupo composto por técnicos especializados – professores, médicos, juristas e psicólogos- para acolher e escutar as vítimas.

“Mantém-se aberta a linha por telefone 960212625 e email protecaomenores@igrejaacores.pt; .qualquer pessoa que venha ter connosco terá anonimato”, disse a jurista.

O relatório da Comissão Independente- Dar voz ao silêncio

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica apresentou hoje, em Lisboa, o relatório do trabalho iniciado em 11 de janeiro de 2022.

A Comissão, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, validou 512 dos 564 testemunhos recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4.815.

Estes testemunhos referem-se a casos ocorridos no período entre 1950 e 2022, o espaço temporal que abrangeu o trabalho da comissão.

As décadas de 1960, 70 e 80 do século passado foram as que registaram um maior número de casos de abuso sexual no seio da Igreja em Portugal.

A Comissão enviou para o Ministério Público 25 casos de entre os 512 testemunhos validados recebidos ao longo do ano.

A prescrição dos casos, por um lado, e o anonimato por outro, são as principais razões para este reduzido número de casos entregue à Justiça.

A idade média das vítimas é hoje de 52,4 anos, 52,7% são homens, 47,2% são mulheres e 88,5% são residentes em Portugal continental, principalmente nos distritos de Lisboa, Porto, Braga Setúbal e Leiria, “mas os abusos estão espalhados por todo o país”.

Dos abusados, 53% continuam a afirmar-se católicos e 25,8% são católicos praticantes.

A percentagem de licenciados entre as vítimas de abusos é de 32,4%, enquanto 12,9% são pós-graduados.

Em criança, os abusados que deram os seus testemunhos, residiam com os pais (58,6%), 1/5 estavam institucionalizados, enquanto 7,8% pertenciam a famílias monoparentais.

Noventa e sete por cento dos abusadores eram homens e em 77% dos casos padres, além de que em 47% dos casos o abusador fazia parte das relações próximas da criança.

Em 52% dos casos, as vítimas só revelaram o abuso de que foram alvo em média 10 anos depois de ocorrido e em 43% dos casos essa denúncia aconteceu apenas quando contactaram a comissão.

Em 77% dos casos as vítimas nunca apresentaram queixa à igreja e só em 4% dos casos houve lugar a queixa judicial.

Os abusos ocorreram principalmente entre os 10 e os 14 anos de idade (a média era de 11,2 anos, sendo de 11,7 no caso dos rapazes e de 10,5 no das raparigas), 57,2% foram abusados mais do que uma vez e 27,5% referiram que foram vítimas durante mais de um ano.

A maior parte dos abusos ocorreu em seminários (23%), na igreja – em diversos locais, inclusive no altar – (18,8%), no confessionário (14,3%), na casa paroquial (12,9%) e em escolas católicas (6,9%).

No caso dos rapazes, em 77% dos casos o abusador foi um padre.

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) disse que os padres abusadores não terão lugar na igreja, mas será necessário provar o crime para haver expulsões de clérigos.

Criada por iniciativa da Conferência Episcopal Portuguesa, numa decisão tomada no final de 2021, a Comissão defendeu também a constituição de uma nova “comissão para continuidade do estudo e acompanhamento do tema”, com membros internos e externos à Igreja, referindo que a hierarquia católica portuguesa “é favorável” à posição do Papa na condenação dos abusos.

Foi ainda sugerido que a prescrição dos crimes de abuso aumente para os 30 anos da vítima, pedindo à Assembleia da República a alteração da lei.

O presidente da CEP pediu “perdão a todas as vítimas” e afirmou que o relatório da Comissão “exprime uma dura e trágica realidade: houve, e há, vítimas de abuso sexual provocadas por clérigos”.

Também a Província Portuguesa da Companhia de Jesus revelou hoje que, desde 1950, foi apurada a ocorrência de 24 vítimas de casos de abuso sexual de crianças e jovens cometidos por 11 jesuítas e um leigo, todos já falecidos.

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