Comissão Independente validou 512 testemunhos e aponta a número “mínimo” de 4815 vítimas, em 70 anos

Foto: Agência Ecclesia

Relatório final, apresentado em Lisboa, analisou período relativo a 1950-2022

O relatório final da Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal, divulgado hoje, validou 512 testemunhos, num total de 564 recebidos, relativos a casos entre 1950 e 2022.

O coordenador da CI, Pedro Strecht, disse na conferência de imprensa que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian que estes testemunhos, apresentados ao organismo entre janeiro e outubro do último ano, apontam a uma rede de vítimas “muito mais extensa”, calculado num “número mínimo, muito mínimo, de 4815 vítimas”.

“Não é possível quantificar o número total de crimes”, assumiu o pedopsiquiatra, dado que algumas vítimas foram abusadas várias vezes

A média de idades atual das vítimas é de 52 anos, correspondendo 20,2% da amostra a pessoas com menos de 40 anos.

O pedopsiquiatra assinalou que o número de abusadores, no seio da Igreja, é “baixo”.

“Continua a ser importante não confundir a parte com o todo”, insistiu.

Os testemunhos são de residentes em Portugal e emigrantes, com preponderância de vítimas de sexo masculino (52%); a maior parte assume-se como católico e há casos em todos os distritos, com destaque para cinco: Lisboa, Porto, Braga, Santarém e Leiria.

Pedro Strecht falou em “verdadeiras zonas negras”, com particular impacto nas décadas de 1960 a 1990, sendo que quase 25% dos testemunhos diz respeito a casos ocorridos desde 1991 até hoje.

48% das pessoas revelaram esta situação pela primeira vez no contacto com a CI.

Os casos relatados aconteceram, sobretudo, em “seminários, colégios internos e instituições de acolhimento, confessionários, sacristia e casas dos padres”, incluindo, mais recentemente, acampamentos e atividades ao ar livre.

O número total de abusadores não foi revelado, tendo a CI registado que 96% são do sexo masculino e, desses, 77% eram padres à data dos atos, com predominância dos “abusos continuados”.

O início dos abusos aconteceu, em média, aos 11 anos de idade dos menores, embora esse número tenha vindo a aumentar.

As vítimas relatam um afastamento da Igreja enquanto instituição e da prática religiosa, esperando um “pedido de desculpa”; 25,8% assume-se como católico praticante.

Pedro Strecht começou por referir que a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) “sempre apoiou” este trabalho, agradecendo a todas as vítimas que “ousaram dar voz ao silêncio”.

“São muito mais do que um número ou uma mera estatística”, acentuou.

O relatório, em oito pontos, é visto como o final de uma “longa noite de silêncio”, das vítimas.

“Talvez seja difícil que, a partir de agora, tudo fique igual”, apontou Pedro Strecht.

organismo, criado pela CEP, foi apresentada publicamente em janeiro de 2022, tendo centrado o seu trabalho na recolha de testemunhos e análise de arquivos históricos de instituições católicas.

A CI é coordenada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht e integra o psiquiatra Daniel Sampaio, o antigo ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio, a socióloga e investigadora Ana Nunes de Almeida, a assistente social e terapeuta familiar Filipa Tavares e a cineasta Catarina Vasconcelos.

Pedro Strecht falou num trabalho feito com “liberdade”, reconhecido como necessário por vários dos testemunhos.

Para o Ministério Público (MP) foram enviados 25 casos foram enviados, no total, devido à prescrição dos casos ou ao anonimato dos testemunhos.

Os alegados abusadores ainda vivos serão identificados, numa listagem a enviar à Igreja Católica e à Justiça, até final de fereveiro.

Daniel Sampaio, psiquiatra, defendeu a necessidade de “um estudo a nível nacional”, revelando, após uma metanálise de 217 estudos, que 18% das meninas são abusadas, percentagem que chega aos 8% no sexo masculino.

O especialista pede uma justiça “célere e eficaz”, destacando que o tratamento dos abusadores exige “psicoterapia intensiva”.

“Não basta um acompanhamento espiritual”, declarou.

Segundo a Procuradoria-Geral da República, em 2019 e 2020, houve 7142 crimes sexuais praticados sobre menores em Portugal.

Esta tarde, a partir das 16h00, o presidente e os membros do Conselho Permanente da CEP – que acompanharam a apresentação do relatório final – encontram-se com os jornalistas, numa conferência de imprensa a realizar na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa.

A 3 de março, em Fátima, está prevista a realização de uma assembleia plenária extraordinária da CEP para analisar o relatório da CI.

(Com Ecclesia)

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