Fim do segredo pontifício nos crimes de abusos sexuais era “inevitável” com o Papa Francisco, afirma Pe. Júlio Rocha

Teólogo moralista afirma que reescrito do Papa vem na linha da sua luta contra esta “chaga” na Igreja que “tem de ser limpa até ao fundo”

“Esta era a foz onde o rio tinha de desaguar” afirma o Pe. José Júlio Rocha, Teólogo Moralista, em declarações ao programa de rádio Igreja Açores, a propósito do rescrito do Papa Francisco que, na semana passada, pôs fim ao segredo pontifício no que respeita aos abusos sexuais de menores praticados por membros da Igreja.

“O segredo pontifício tem profundas raízes históricas e devem ser respeitadas, mas em casos de crimes, já não era sem tempo que estes crimes pudessem ser denunciadas às autoridades competentes” refere o sacerdote sublinhando até a transversalidade geográfica de muitos destes crimes, já que as questões de abusos sexuais “extravasam as fronteiras do Vaticano, por isso, os membros da Igreja que os pratiquem devem ser julgados nos países onde estão e segundo as leis civis desses países”.

O sacerdote, que é o assistente da Comissão Diocesana de Prevenção e Acompanhamento de eventuais casos de abusos sexuais de menores por parte de membros do clero, lembra que isto não significa o fim do segredo de confissão. Este sublinhado é particularmente importante porquanto na Austrália, a comissão oficial nomeada para o estudo desta problemática chegou a defender o fim do segredo de confissão como forma de punir os alegados pedófilos dentro da própria Igreja.

“O segredo da confissão é dogmaticamente inviolável” afirma o Pe. José Júlio Rocha ao descodificar a essência do Sacramento da Reconciliação.

“A Igreja tem de ter um espaço onde as pessoas aliviam a sua consciência sem deixarem rasto; mexer nisso é mexer na estrutura sacramental da Igreja. Este espaço é a única salvaguarda para as pessoas quando precisam de libertar a sua consciência. Seria por isso uma tragédia mexermos no segredo de confissão. Não é o que está em causa!” esclarece enfatizando que o fim do segredo de confissão “seria uma tragédia”.

“Para o Papa Francisco, em matéria de abusos sexuais dentro da Igreja não há margem para planos B. É isso que este rescrito vem dizer” adianta ainda o sacerdote que sublinha: “o Papa está a fazer tudo o que pode nesta matéria”.

Recorde-se que o Papa Francisco decidiu abolir o segredo pontifício nos casos de violência sexual e de abuso de menores cometidos por clérigos, num decreto publicado na última terça-feira pelo Vaticano.

A decisão é acompanhada por outro decreto, que altera a norma relativa ao crime de pornografia infantil – inserido na categoria de ‘delicta graviora’, os crimes mais graves, no direito canónico-, à posse e difusão de imagens pornográficas, fazendo agora referência a menores de 18 anos de idade, em vez dos 14 anos, como acontecia até agora.

Um “rescrito” assinado pelo cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, comunica que no último dia 4 de dezembro o Papa decidiu abolir o segredo pontifício sobre denúncias, processos e decisões relativas aos crimes mencionados no primeiro artigo do recente motu proprio “Vos estis lux mundi“, ou seja: casos de violência e de atos sexuais cometidos sob ameaça ou abuso de autoridade; casos de abuso de menores e de pessoas vulneráveis; casos de pornografia infantil; casos de não denúncia e cobertura dos abusadores, por parte de bispos e superiores gerais de institutos religiosos.

A nova instrução, adianta o Vaticano, especifica que “as informações devem ser tratadas de modo a garantir a segurança, a integridade e a confidencialidade”, conforme estabelecido no Código de Direito Canónico para tutelar “o bom nome, a imagem e a privacidade” das pessoas envolvidas.

Este “sigilo profissional”, lê-se na instrução, “não impede o cumprimento das obrigações estabelecidas em todos os lugares pelas leis estatais”, incluindo quaisquer obrigações de denúncia, “bem como a execução dos pedidos executivos das autoridades judiciais civis”.

As novas normas determinam que “não pode ser imposto algum vínculo de silêncio” às vítimas e às testemunhas.

O segundo rescrito, assinado pelo cardeal Parolin e pelo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (Santa Sé), cardeal Luis Ladaria Ferrer, apresenta modificações a três artigos do motu proprio “Sacramentorum sanctitatis tutela” (de 2001, modificado em 2010 no pontificado de Bento XVI).

Além da mudança da idade para a definição de pornografia infantil, o Papa Francisco estabelece que, nos casos relativos a estes crimes mais graves, o papel de “advogado e procurador” também possa ser desempenhado por fiéis leigos, com doutoramento em Direito Canónico, e não apenas por sacerdotes.

 

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