Saudações de Jerusalém – 4.º Dia

Pelo Cónego Jacinto Bento

Foto: Patriarcado Latino de Jerusalém

Este 2.° dia do Tríduo Pascal começou ainda mais cedo do que ontem, com a procissão a partir do Patriarcado pelas 06:45 e tendo regressado pelas 10:30. Este é o único dia no ano em que a Igreja não  celebra os Santos Mistérios e onde impera o silêncio. O dia foi dominado pela Celebratio Passionis Domini in S.to Sepulcro D. N. Iesu Christi, in Hierosolymis.

Chegada a Procissão ao Parvis (adro do Santo Sepulcro), esperámos para que, o já referido muçulmano, abrisse a única porta da Basílica. Sempre que abrem e fecham a porta há um ritual milenar especial, cuja explicação não cabe aqui, mas que pode ser vista nalgumas das fotografias partilhadas nos canais oficiais do Patriarcado de Jerusalém.

O Parvis estava repleto de peregrinos que nos aguardavam. Atravessámos toda a Basílica em silêncio profundo, genufletimos em frente do Túmulo Vazio e fechado e seguimos para a Capela Franciscana da Aparição de Jesus a Nossa Senhora, onde o Patriarca se paramentou e tomou a Vera Cruz, tendo a procissão seguido para o Calvário.

Aqui convém dizer duas palavras sobre a Basílica do Santo Sepulcro. A Basílica de Constantino foi dedicada a 17 de setembro de 335. Mas, por ter sido muito danificada, (ainda conserva algumas reminiscências), foi depois feita pelos os Cruzados e sagrada a 15 de julho de 1149. Esta incorpora sobre o mesmo teto, o Calvário, o Túmulo do Senhor e o lugar do encontro da Cruz, além de várias capelas. Têm condomínio nesta Basílica, por ordem de importância, os Greco-ortodoxos, Latino-católicos (através dos franciscanos), Arménios, Coptas, Siríacos e Etíopes (terraço).

O Calvário fica a 5 metros do piso do templo. Subimos pela escada da descida porque a da subida estava ocupada com o coro. É uma escada com 17 degraus de pedra bastante íngreme. O Calvário está dividido em duas capelas: a dos Gregos e a dos Católicos. A dos Gregos guarda as rochas fendidas aquando da morte de Cristo, de acordo com São Mateus (27,5), e o buraco que sustentou a Cruz de Cristo. Já a Capela Católica é o lugar da Crucificação e tem o altar de Nossa Senhora das Dores oferecida pela Nossa Rainha D. Maria I, em 1778.

Atravessámos a Capela dos Ortodoxos e o Patriarca colocou a Cruz com uma relíquia da Vera Cruz sobre o altar, dando início à celebração deste 2.º dia do Tríduo. Como é habitual, o Patriarca prostrou-se, bem como o Núncio Apostólico. Os outros bispos, presbíteros, demais ministros e toda a assembleia ajoelharam.

Seguiram-se as leituras, em inglês e italiano e a Paixão segundo São João foi cantada por três frades franciscanos em Latim e com a ajuda do coro, não havendo homilia. Seguiu-se a Oração dos fiéis também cantada em Latim por um diácono.

Teve depois lugar a segunda parte da Liturgia da Paixão, que é a Adoração da Santa Cruz, com a peculiaridade de ter sido a mesma Cruz que esteve suspensa naquele mesmo lugar há mais de dois mil anos. Mais uma vez a História e a Geografia da Salvação encontraram-se. Foi o hic da Salvação. Recuámos mais de dois mil anos e encontrámo-nos com Cristo no cimo do Calvário e no alto da Cruz. A celebração convidou a tudo isto porque a Liturgia é intercalada com silêncios que nos fazem entrar dentro do nosso mistério através do Mistério de Cristo.

O Mistério fez-se presente naquela Paixão cantada, no local dos acontecimentos. Mais do que uma memória fria do acontecimento, experienciámos o aqui e agora do Senhor. Entrámos mais profundamente no Seu mistério.

Finalmente, foi distribuída a Sagrada Reserva que ficara no Túmulo ontem à noite. Depois de mais uma procissão de descida e subida ao Calvário que foi o centro da Liturgia de hoje. Depois, tudo terminou em silêncio e regressámos em Procissão até ao Patriarcado Latino.

Fico sempre muito admirado e edificado com as experiências de fé viva do pequenino rebanho da Terra Santa, muito fiel a Jesus Cristo, aos seus ensinamentos e às tradições da Igreja Local, sem medo, nem preconceitos. Os clérigos não têm medo de usar batina (a veste eclesiástica própria), embora ostracizados pelos judeus ortodoxos. Vivendo no meio deste conflito, têm consciência que são o fio condutor da ligação à primitiva comunidade cristã a que também pertenceu Jesus Cristo e teimam em continuar fiéis.

Refletindo em tudo isto e muito mais, nas ilhas dos Açores, no Continente Português, na Europa e no Ocidente, parece que estamos secularizados. Há medo da identificação sacerdotal. Se um clérigo usa batina, alguns padres e leigos troçam. Alguns clérigos, esquecendo o seu estado, querem identificar-se com os leigos não só na maneira de vestir, mas em muitas outras coisas. Bispos e padres usam umas camisas brancas com cabeção para serem modernaços. Se têm vergonha de assumir o estado clerical talvez não se deviam ter ordenado.

Pelas 16:00 houve outra procissão do Patriarcado para o Santo Sepulcro, desta vez, para cantar o Ofício Vespertino, em frente do Túmulo Vazio do Senhor.

Presidiu a esta Procissão e a este Ofício, o Bispo William Shomali e eu ladeei-o, tendo-me apercebido de mais um incidente com judeus ortodoxos que de propósito se introduziram no meio da procissão, que teve que parar para eles saírem, tendo ainda eles gritado para que não lhes tocassem. Quando Deus quis, chegaram as forças de segurança que os retiraram.

Hoje, recebi uma grande lição de um escuteiro católico de Jerusalém, grupo que ajuda a proteger as nossas procissões dos ataques judeus, quando me disse que tínhamos de dar a outra face, depois de eu ter lamentado mais este incidente.

Um dado curioso por relação aos muçulmanos é que eles vêm para a rua ver-nos passar com admiração, mas não nos fazem mal. Respeitam-nos, pelo menos aqui em Jerusalém.

Foi um dia muito longo e exaustivo. Teria gostado de ir à Via-Sacra dos franciscanos, mas não consegui. No entanto, ainda, vou tentar ir à Procissão do Senhor Morto na Basílica do Santo Sepulcro organizada também pelos frades franciscanos, onde eles recriam a Paixão do Senhor.

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