Aliança entre a fotografia da alma e da tradição com meditações literárias resultou numa instalação que pode ser vista na Igreja do Bom jesus em Rabo de Peixe até 30 de maio
Quem entra e procura uma via-sacra tradicional na Igreja paroquial de Rabo de Peixe vai ficar desiludido, porque vê apenas as tradicionais figuras que já lá estão há muito tempo. É preciso entrar e virar-se para trás, de olhos bem ao alto, para ver a instalação que Andrea Santolaya desenvolveu a partir das suas fotografias, feitas com o intuito de captar a alma de um indivíduo para a partir dela chegar à comunidade.
“O meu foco é sempre o território, sobretudo humano, e a identidade que se expressa na comunidade que procura sentido e se diz através de ritos e celebrações” explica a fotografa espanhola, natural de Madrid, que há sete anos veio fazer uma residência artística de um mês e “foi ficando” presa pelo coração e agora pela família.
“Trabalho aqui para toda a Europa e para o mundo” diz, segura, de que o mar que a separa do continente é o mesmo que a inspira no trabalho que reparte em família, agora também alargada à comunidade de Rabo de Peixe.
“Esta instalação é uma oferta a quem tanto me tem aberto as portas”, diz Andrea que está neste momento a ultimar um projeto maior.
“As quatro fotos que formam esta instalação fazem parte do projeto ilha de São Nunca” que se dirá no próximo mês no Museu Carlos Machado e depois passará para a Galeria Fonseca Macedo, em Ponta Delgada.
Este “projeto” para uma Via Sacra, agora inaugurado em Rabo de Peixe, condensa as meditações em apenas quatro estações, unidas pela busca do sentido diante da adversidade, na vida individual e na vida comunitária; na relação familiar marcada pelo amor gratuito ao outro; na doença e no sofrimento que convoca a fé e nos lança no caminho da santidade.
“A Per Viam é uma maneira de apresentarmos através das artes, da fotografia e da literatura uma viagem, uma peregrinação pela terra de tal maneira que possamos chegar a Jesus” concretiza a fotógrafa, que está a trabalhar estas temáticas a partir das vivências religiosas em Rabo de Peixe como as romarias quaresmais, as procissões ou as festas do Divino Espírito Santo.
“As comunidades dizem-se nos seus rituais e isso fascina-me” admite elencando os vários sítios por onde passou, desde os povos indígenas da selva da Venezuela até aos ultra ortodoxos do Alasca.
“Há muito que a Andrea e o marido queriam oferecer algo à Igreja; faltava o texto que eu me encarreguei de fazer e tudo acabou nesta Via Sacra” adiantou, por seu lado, o padre Nuno Pacheco de Sousa, pároco de Rabo de Peixe há três anos.
No relato das estações podemos ler Nemésio, Primo Levi ou José Tolentino Mendonça, mas também há uma densidade teológica nos textos que nos remetem para um diálogo permanente e próximo com o divino, que quase tratamos por tu.
“Jesus, que aqueles que voltam dos campos das suas vidas, das suas missões, possam ter sempre um olhar tímido, mas acolhedor e disponível; um abraço que seja forte, mas que não esmague, antes alivie; uma vontade que seja fundeada na abnegação que só quem semeia ou planta, pode entender e multiplicar” pode ler-se na terceira estação.
Numa lógica intimista, a Per Viam começa numa mesa, onde todos se juntam, a partir de um amor fundacional, para conviver e celebrar e todos vão, convocados por esse amor que se transforma num elo forte, feito cuidado, distribuído num abraço e alimentado pela fé… da eternidade.
“É também uma provocação à comunidade: as pessoas que vêm à missa , se calhar até nem acham muita piada, mas vendo-se protagonistas ou ligados à tradição acabam por se envolver e sentir que afinal isto também são eles”, diz ainda o sacerdote.
“Per Viam – Projeto para uma via-sacra” está patente ao público até 30 de maio, na Igreja de Rabo de Peixe.