Por António Pedro Costa

Em maio de cada ano, quando o céu se curva mais baixo sobre a ilha de São Miguel e o perfume
das flores se mistura ao das promessas, renasce a alma devota dos micaelenses. É tempo da
festa maior dos Açores, a do Senhor Santo Cristo dos Milagres e, com ela, sobe das entranhas do povo um clamor antigo e fiel: que o Vaticano ouça o coração de uma ilha e reconheça nos altares o que aqui já se vive como verdade.
Entre as grades do Convento da Esperança, onde o silêncio tem sabor de oração, ecoa ainda a
presença da mulher que mudou o destino da fé açoriana: Madre Teresa da Anunciada.
Religiosa de coragem serena e olhar inflamado de amor à Paixão de Cristo, foi ela quem, movida por inspiração de sua Irmã Joana de Santo António, tirou o Ecce Homo do esquecimento e deu-Lhe ao povo desta ilha, para consolo e milagre.
Não foi apenas guardiã da Veneranda Imagem, ela foi ponte viva entre o céu e a terra. Fez da sua vida um altar de entrega, e o seu nome, embora ainda sem coroa canónica, resplandece como santa entre as gentes que, geração após geração, repetem: Madre Teresa da Anunciada já é santa, porque a santidade não precisa de bula quando é escrita no coração de um povo.
Neste sábado, o tempo parece suster a respiração, porque o povo espera. Espera a Imagem do Ecce Homo, para ver o Seu olhar que não se explica, mas sente-se. Ele é sereno como o mar nas madrugadas sem vento. Dizem os antigos que é no Seu olhar que se lê o destino de cada ano. Se vem triste, os olhos do coração arroxam-se; se vem alegre, a alma do povo dança, mesmo que os pés caminhem descalços pela promessa.
Mas todos, sem exceção, O contemplam. E no mistério daquele olhar, procuram resposta, alívio, ou simplesmente presença. O Senhor Santo Cristo não fala com palavras, fala com o silêncio, com a luz dourada o Seu semblante, com a mansidão que desarma até o mais endurecido.
E na imensa procissão deste domingo, que serpenteia pelas ruas e varandas floridas de Ponta Delgada, vê-se o rosto do Senhor Santo Cristo dos Milagres, mas sente-se também a presença de Madre Teresa da Anunciada, como se caminhasse entre os seus devotos, conduzindo-os, como outrora, ao abraço misericordioso do Príncipe das Ilhas.
É esta fé que não se explica, que não se impõe, apenas se vive. Uma fé feita de lágrimas, de promessas e de esperanças que não morrem. E entre cada círio na mão, cada hino entoado, cada joelho dobrado sobre a pedra negra do Campo de S. Francisco, vai também uma súplica discreta, mas firme, que o Vaticano, um dia, venha confirmar o que em São Miguel e por esse Mundo fora já se sabe, que Madre Teresa da Anunciada, mãe espiritual desta devoção, é farol de santidade que nunca se apagou.
E assim, em cada mês de maio, os sinos dobram não só por ser festa, mas por justiça. E o povo reza ao Senhor Santo Cristo dos Milagres, mas com Ele, também pela sua Madre, a bem- aventurada do convento, a santa da ilha, a Teresa que anunciou, com a sua vida, o maior dos milagres, o de dar tudo por amor e que já reina, há séculos, no altar maior dos corações açorianos.