A verdadeira informação tem de sair sempre da bolha, afirma Rui Paiva

O jornalista da Agência Lusa é o convidado do Programa de Rádio Igreja Açores, onde comenta a mensagem do Papa para o 59º Dia Mundial das Comunicações Sociais, que se celebra este domingo

Foto: RTPA

Este domingo, a Igreja celebra o Dia Mundial das Comunicações Sociais e o Papa Leão XIV reforça o convite já feito pelo Papa Francisco a que os jornalistas desarmem a comunicação. O tema da mensagem é “Partilhai com mansidão a esperança que está nos vossos corações” e o texto desafia os jornalistas a um compromisso corajoso perante a desinformação a serem comunicadores da esperança.

“Eu creio que há duas mensagens principais no texto do Papa Francisco. A primeira mensagem que eu queria sublinhar é que o Papa destaca o papel que a comunicação social tem na sociedade contemporânea e, em segundo lugar, o resgate que ele faz do vocação jornalística”, afirma Rui Paiva, jornalista da Agência Lusa e correspondente do jornal Público em São  Miguel.

“Isto pode parecer para muitos uma espécie de banalidade, mas no mundo onde as instituições estão em crise, onde a comunicação social está em crise, onde muitas vezes o jornalismo é visto como parte de um sistema, é visto como um inimigo, e nós temos visto estas críticas e esta desvalorização da comunicação social em várias frentes e até em vários atores políticos, haver aqui uma chamada de atenção para a importância da comunicação social é bastante relevante e esta tem que ser a primeira mensagem” explica o jornalista.

Por outro lado, “a verdadeira missão do jornalismo assente na pluralidade, no combate à desinformação, na troca de ideias, em ter até visões que são opostas, mas metê-las em diálogo é muito importante” refere, destacando que existem “alertas e sublinhados” que definem aquela que é a missão dos jornalistas e da comunicação social, não apenas da Igreja mas também dos órgãos ditos generalistas.

“É preciso também que os jornalistas e a própria comunicação social sigam algumas das pistas, algumas das recomendações que o próprio Papa Francisco faz de assumir a sua vocação social, de olhar ao outro, de não ter medo de sair da bolha,  quer dizer, há expressões a certa altura do texto em que o Papa escreve, naquele que deve ser o apelo em relação ao outro, que a comunicação social deve viver para dar voz à sociedade, para transmitir a realidade e para não estar presa a determinadas agendas”.

Mesmo reconhecendo as dificuldades com que a maioria dos jornalistas e dos órgãos de comunicação social enfrentam, seja por questões financeiras seja pela atuação dos poderes fáticos, o jornalista açoriano refere que é importante que “não se desista”.

“É difícil certamente, mas nós temos que ter esta ambição, ou seja, eu não sou daqueles que acha que a forma, muitas vezes, como a comunicação social se move hoje em dia, é uma fatalidade. Sabemos que é difícil, sabemos que é um caminho complicado, sabemos que a crise que a comunicação social enfrenta, quer ao nível económico, mas também  ao nível do prestígio e da confiança, mas é preciso encontrar caminhos alternativos e há aqui essa expressão, que é uma expressão muito feliz do Papa Francisco, que já se tornou célebre, que é o desarmar a comunicação, que curiosamente foi uma expressão que o novo Papa Leão também referiu na primeira vez que esteve com a comunicação social”, afirma Rui Paiva na entrevista ao programa de rádio Igreja Açores que vai para o ar este domingo depois do meio dia no Rádio Clube de Angra e na Antena 1 Açores.

“Nós vemos muitas vezes o cenário difícil da guerra das audiências, da guerra dos cliques, da necessidade de atrair o público, mas o que é certo é que a comunicação social não se deve deixar envolver no ruído mediático que hoje marca as sociedades contemporâneas” enfatiza o jornalista.

“O que nós vemos, e utilizando este exemplo concreto da guerra, é quando o que está em causa já não é o valor notícia, já não é informação, já não é a notícia em si que é relevante para o interesse público, para já não falar na confusão, que tentas vezes se gera, sobretudo nas televisões,  entre o comentário, a opinião e a notícia” afirma o jornalista recordando outras passagens da Mensagem do Papa Francisco para este Dia Mundial das Comunicações Sociais.

“Num mundo dominado pela ditadura do algoritmo, que é uma referência, essa referência ao peso do digital é também expressa pelo Papa Francisco, mas no mundo da ditadura do algoritmo, onde há uma grande difusão, confusão mediática, onde não se distingue aquilo que é verdade do que é mentira, o papel da comunicação social deve ser distinguir-se deste mundo, deve ser afirmar-se pela diferença e não deixar-se levar pela onda”,  acrescenta Rui Paiva.

“Eu creio, gosto de ter esperança, esta é uma palavra também muito referida ao longo de toda a mensagem, porque já vejo em alguns órgãos de comunicação social que procuram ir por outro caminho, que é possível mudar”, refere salientando os ritmos e as prioridades da informação.

“Precisamos de fazer uma pausa, refletir sobre várias frentes da nossa vida e também no jornalismo”, refere ao lembrar o convite do papa Francisco a descobrir e a contar tantas histórias bem escondidas por detrás das notícias.

“A realidade tem várias camadas e a notícia também. O homem, a condição humana é complexa e cabe-nos a nós também descortinar, esmiuçar e dar as suas outras camadas. Só que hoje em dia, num ritmo frenético de comunicação, com tantos concorrentes, com tanta dificuldade também económica, às vezes torna-se difícil ir a essa parte” afirma.

“A tecnologia trouxe-nos coisas fantásticas, certamente, e hoje é, provavelmente, muito mais fácil, no sentido técnico, apenas ser jornalista, porque à distância de uma chamada de um computador a informação está disponível na internet e, portanto, neste sentido é muito mais fácil. Agora, se nós temos a obrigação de dar nota daquilo que se passa na realidade, nós só aprendemos esta realidade vivendo nela, não é vivendo em bolhas” recorda ainda.

“Nós não podemos ter um jornalismo de bolhas, porque aí, mais uma vez, nós estamos a cometer o erro de ir no ritmo das redes sociais, do algoritmo e de tudo isso. Portanto, o jornalismo tem que sair da bolha, tem que meter vozes diferentes em diálogo, porque senão não está a cumprir a sua verdadeira missão. Esta saída da bolha só acontece quando conhecemos o outro, quando compreendemos as suas razões, as suas motivações e a forma como ele vive”, termina numa entrevista que pode ser ouvida na íntegra este domingo depois do meio-dia na Antena 1 Açores e no Rádio Clube de Angra e, depois, também aqui, no Sítio Igreja Açores.

O Dia Mundial das Comunicações Sociais é a única celebração do género estabelecida pelo Conselho Vaticano II, no decreto Intermirífica, em 1963, e que se assinala em cada ano, no domingo antes do Pentecostes. Este ano, a 1 de junho, um dia em que os profissionais da comunicação, em geral, e os cristãos em particular, são convidados a comunicar com mansidão, com proximidade, ao estilo dos companheiros de viagem, do maior comunicador de todos os tempos, Jesus Nazaré.

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