Não se vê logo que estamos na “silly season”?

Por Carmo Rodeia

 

Os abusos das pouquíssimas mães que amamentam até mais tarde os filhos quando comparados com os travões ao aumento da natalidade, que é tão necessário, seria um bom tema de debate para estes dias em que se discute a nova legislação laboral. Mas, a verdade é que o debate político alargado à esfera pública, envolvendo médicos e especialistas, apenas tem contribuído para um gigantesco ruído que confirma o modismo atual que opta sempre por ver a pulga em vez de observar o elefante que a transporta.

As reações extremadas, que têm sido expressas publicamente a propósito da infeliz declaração de uma ministra, isolada do contexto, comprova que a política em Portugal vive de “casos e casinhos” e não de ideias e de programas consistentes que permitam ao comum cidadão perceber qual o rumo que o país está a trilhar.

De facto, a discussão em torno da amamentação das crianças é importante devido aos inúmeros benefícios para a saúde e desenvolvimento do bebé, além de fortalecer o vínculo afetivo com a mãe, mas no âmbito da saúde materno-infantil.  E, ainda assim, é apenas um tema dentro de outro muito mais vasto que diz respeito à família e à natalidade, que é como quem diz à proteção e estímulo de ambas, o que deve ser especialmente considerado na definição de políticas laborais. Por isso, o debate até agora ocorrido não deixa de ser risível se não fosse uma questão tão séria.

Parecer-me-ia mais interessante, e importante até, discutir legislação laboral que concorra para o incremento da natalidade, tão necessário no nosso país e políticas de apoio e proteção das famílias.

O que deveríamos estar a discutir seria uma legislação laboral que promovesse o bem comum, respeitando a dignidade da pessoa humana e a centralidade da família. Isso implicaria garantir condições de trabalho justas, remuneração adequada, proteção da saúde e segurança, e a conciliação entre trabalho e vida familiar, especialmente para as mulheres.

Em Portugal temos uma taxa de natalidade da ordem dos 8,1%, isto é, há 8,1 nascimentos por cada mil habitantes. Em média, cada família portuguesa tem 1,3 filhos quando seria necessário que tivesse 2,5 filhos para repor o saldo demográfico.

Por outro lado, segundo dados da Pordata, Portugal tem uma das maiores taxas de participação feminina no mercado de trabalho na União Europeia. Mas apenas 8% das mães trabalham a tempo parcial, quando em países como a Áustria, Países Baixos e Alemanha, esse número supera os 65%.

O que deveríamos estar a discutir seria uma legislação laboral que promovesse o bem comum, respeitando a dignidade da pessoa humana e a centralidade da família. Isso implicaria garantir condições de trabalho justas, remuneração adequada, proteção da saúde e segurança, e a conciliação entre trabalho e vida familiar, especialmente para as mulheres.

Não seria importante discutirmos, por exemplo, o reforço do apoio às grávidas e de uma rede de informação sobre alternativas ao aborto, desenvolvendo assim formas de evitar que a opção por concluir a gravidez implique, sobretudo nos jovens, abdicar do seu projeto de vida, para não ficarem sós com as consequências da sua decisão pró-vida: sem formação, habitação, meios de subsistência, enfim, sem projeto de vida parental?

Por outro lado, a família, sem deixar de ser um bem para a realização pessoal, no plano afetivo, espiritual ou outros, é um bem público e social para a sociedade no seu todo e é dela que depende a solução para a mais grave crise social com que hoje se deparam, entre outras, as sociedades europeias: a crise demográfica sem paralelo na história. São, por isso, urgentes medidas económicas e sociais de promoção da natalidade, pensadas a partir da família que deve ser protegida através do acesso à habitação de jovens casais, em particular nos maiores centros urbanos, com preços de aquisição ou rendas comportáveis; com uma estabilidade laboral que não esqueça que o trabalhador está inserido num projeto maior com exigências próprias ou com uma rede de creches e escolas que possa dar resposta às necessidades educativas e de crescimento de uma criança. Imagino a dor de cabeça de um casal jovem com um rendimento mensal bruto de dois mil euros, as contas que não tem de fazer para ter dinheiro para pagar uma casa, própria ou arrendada, a ter um filho na creche a quem tem de garantir um crescimento saudável…Sobretudo, se não tiver apoio no seio da família alargada, o que acontece na maior parte das vezes.

Finalmente, não deveríamos estar a discutir políticas que coloquem a economia, as empresas e os mercados ao serviço das pessoas e das famílias, em vez do contrário? A busca do lucro é, em si mesma, legítima. Mas já não o será, se conduzir ao sacrifício de direitos fundamentais da pessoa do trabalhador. Mesmo quando se afirma a vantagem de reforçar a competitividade das empresas através de baixos salários, nem sempre o princípio da centralidade da pessoa é respeitado. Não traz benefícios a quem nela trabalha, é desumana.

Bem sei que o país está a banhos e pensar nisto não é próprio da tão propalada “silly season”, que vive apenas de “sound bites”. Mas isso, também, não nos deve obrigar a ter de conviver sem denunciar a “silly politics”.

* Este artigo foi publicado no PontoSJ, esta segunda feira

 

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