A sinodalidade é uma moda?

Pelo Cónego Hélder Miranda Alexandre

Foto: Facebook do padre Hélder Miranda Alexandre

A sinodalidade tornou-se um mote frequentemente usado em linguagens, discursos e documentos no seio da Igreja. No entanto, para a maioria dos leigos é um conceito obscuro e até nas fileiras clericais há quem não o entenda ou não o queira entender a sério.

Uma leitura superficial parece indicar mais um daqueles chavões da moda e do pêndulo dos tempos, algo próximo do conceito de democracia. Não raramente serve de pretexto a decisões arbitrárias em todos os sectores da Igreja. O que significa realmente? Será que todas as decisões têm de ser verdadeiramente sinodais? Outros aproveitam para afirmar que esta é a hora dos leigos, como se o tempo dos pastores fosse algo do passado. No entanto, uma leitura atenta dos documentos da Igreja pós-conciliar permite afirmar que o discurso eclesial se centra no “batizado” e não o “leigo”. As confusões abundam por aí.

No dia 26 de outubro de 2024 surgiu o Documento Final aprovado pela XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos acerca da aplicação da sinodalidade ao funcionamento dos órgãos de governo da Igreja universal, particular e local aprovado pelo Papa Francisco. Apresenta-se como um documento do magistério e é o resultado do processo sinodal iniciado a 9 de outubro de 2021 em Roma, e a 17 do mesmo mês nas Igrejas Particulares. É interessante notar que D. João Lavrador já tinha iniciado na Diocese de Angra um caminho sinodal que se cruzou com este processo universal. As conclusões já tinham sido publicadas com propostas pastorais muito assertivas.

O n. 30 deste Documento evidencia três aspetos da sinodalidade na vida da Igreja: aspeto ontológico, estruturas e processos eclesiais sinodais e eventos sinodais. O que significa?

O primeiro ponto diz respeito à natureza sinodal da Igreja, que caminha conjuntamente e se reúne em assembleia. Este é o seu modo de viver e agir nas dimensões profética, sacerdotal e de serviço. O n. 36 precisa que esta natureza se manifesta numa corresponsabilidade diferenciada de todos os batizados, homens e mulheres.

O documento evoca o sensus fidei (sentido da fé), em virtude do qual todos os fiéis têm o dom do Espírito Santo, pelo que o povo de Deus não se pode enganar no acreditar, quando a totalidade dos fiéis exprime o seu consentimento universal em matéria de fé e moral. Não é uma opinião pública! Por isso, a necessidade de que esse sensus fidei se baseie numa consulta a todos os níveis antes de uma decisão importante.

Ora, numa sociedade secularizada, não é fácil entender o que significa escutar e consultar o Povo de Deus. Pode-se cair em retóricas fáceis (Roberto Repole). Neste sentido, e partindo da LG 21, os fiéis, no seu conjunto e não como indivíduos, não se podem enganar quando se orientam pelo magistério. Por exemplo a Dei Verbum 10 também destaca que a interpretação da Palavra de Deus, o depósito da fé confiado a toda a Igreja, é própria do magistério vivo da Igreja. Por isso, o sensus fidei é sempre unido ao discernimento dos pastores nos diversos níveis da vida eclesial, sem esquecer que os pastores estão dentro do povo de Deus. É nisto que se baseia a circularidade própria da sinodalidade e daí nasce a complementaridade entre os sacerdócios batismal e ministerial. Na verdade, a Episcopalis communio destaca que a ação do Bispo é de ser mestre e discípulo. Não existe assim uma separação rígida entre a Igreja que ensina e a que escuta. Como afirmava S. Agostinho, “para vós sou Bispo, convosco sou cristão” e como afirmou João Paulo II, “no reter, praticar e professar a fé transmitida estabelece-se uma singular unidade entre os Bispos e os fiéis, com vínculos profundos de fé” (cf. PG 10 e 28).

Por isso, a sinodalidade traduz-se numa espiritualidade, que reconhecendo o primado da graça, permeia a vida quotidiana de cada batizado, qualquer que seja a sua vocação, carismas ou funções que exerce. É uma autêntica “conversão no Espírito” que, numa conversão interior relacional (n. 50), somente pode ser realizada na escuta, o que requer ascese, humildade, paciência, no dar e receber perdão, na troca de dons, no amor fraterno e recíproco. Este modo de ser e agir deve tornar a Igreja “uma voz profética no mundo de hoje”, uma profecia contra o individualismo (nn. 47-48).

(Este é o primeiro de três artigos sobre a sinodalidade escritos pelo cónego Hélder Miranda Alexandre)

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