Por Nuno Cardoso Dias

Ainda o documento não era conhecido, já eu decidira que esta crónica seria sobre ele: desenhar novos mapas de esperança. A minha mulher é geógrafa e professora. Desenhar novos mapas de esperança. Vivo com isto todos os dias. Mas de onde é que o Papa conhecia a minha mulher para escrever isto?
O assunto, afinal, era grave. Gravíssimo, dizia o Concílio Vaticano II: a educação. O texto marca os 60 anos da Declaração Conciliar “Gravissimum Educationis”. Não conhecia. Devia? Devia. Falamos do Concílio Vaticano II como um marco fundacional na Igreja, um ponto de viragem, de renovação e de esperança. E foi. Mas podia ser mais, se o conhecêssemos melhor. Os documentos estão todos aqui. A mesa está posta, servi-vos.
A Carta do Papa centra-se, pois, na educação, “uma das mais elevadas expressões da caridade cristã”. O mundo precisa desta forma de esperança.”
É extraordinariamente urgente ouvir isto. Porque há quem diga o contrário: há quem resuma a educação a uma obrigação, uma burocracia ou uma forma de luta.
Há quem ache que faz alguma coisa pelo ambiente fazendo greve às aulas. É preciso desconstruir: se queres fazer alguma coisa pelo ambiente, estuda. É esse estudo que te dará as ferramentas para poderes agir. Precisas da matemática para entender o mundo e para poder pensá-lo, precisas das línguas para comunicar e criar pontes para os outros. Precisas de conhecimento para poder ser eficaz e consequente. Mas não deixes para mais tarde. O que podes fazer já e hoje pelo ambiente, com as ferramentas que tens?
O papa aponta caminhos: “O esquecimento da nossa humanidade comum gerou divisões e violência; e quando a Terra sofre, os pobres são os que mais sofrem. A educação católica não pode se calar: deve unir justiça social e justiça ambiental, promover a sobriedade e estilos de vida sustentáveis, e formar consciências capazes de escolher não apenas o que é conveniente, mas o que é justo. Cada pequeno gesto – evitar o desperdício, escolher com responsabilidade, defender o bem comum – constitui alfabetização cultural e moral.”
A educação é comunidade e o Papa sublinha isto: ninguém educa sozinho. Toda a comunidade educativa está implicada nesta missão. Professores, alunos, famílias, pessoal administrativo e de serviços, pastores e sociedade civil convergem para gerar vida.
Enquanto pai, acompanhei e acompanho as escolas onde os meus filhos estão. Nelas encontrei alguns sinais de preocupação, movimentos corporativos, desinteresse dos alunos e alheamento das famílias, mas também encontrei, mais forte e importante, pessoas que dedicam a sua vida à escola e à educação. Pessoas atentas e interessadas, que souberam estar próximas e para quem temos, como família uma enorme dívida de gratidão, que tentamos pagar para a frente, em cadeia. Ninguém educa sozinho, diz o Papa. E pede às comunidades educativas: “desarmem as palavras, elevem os olhos e protejam o coração.”
Para mim uma das passagens mais relevantes da carta é aquela em que o Papa relembra os sete caminhos legados pelo Papa Francisco para a educação: “colocar a pessoa no centro; ouvir as crianças e os jovens; promover a dignidade e a plena participação das mulheres; reconhecer a família como a primeira educadora; abrir-nos ao acolhimento e à inclusão; renovar a economia e a política a serviço da humanidade; e cuidar da nossa casa comum.” Aos sete caminhos acrescenta o Papa Leão XIV três prioridades: “A primeira diz respeito à vida interior. Os jovens anseiam por profundidade; precisam de espaços para o silêncio, o discernimento e o diálogo com a sua consciência e com Deus. A segunda diz respeito ao ser humano digital: eduquemos para uma utilização judiciosa da tecnologia e da IA, colocando a pessoa acima do algoritmo e harmonizando as inteligências técnica, emocional, social, espiritual e ecológica. A terceira diz respeito à paz desarmada e libertadora: eduquemos em linguagens não violentas, na reconciliação, na construção de pontes e não de muros. “Bem-aventurados os pacificadores” (Mt 5,9) torna-se o método e o conteúdo da aprendizagem.”
A carta tem o seu foco na educação cristã, mas, como é natural, transcende-a. Esta carta é útil para toda a educação, para as catequeses, para muitos outros ambientes que também fazem parte do “mundo da educação” a quem o Papa lança um apelo: Sejam servos do mundo da educação, coreógrafos da esperança, incansáveis buscadores da sabedoria, criadores credíveis de expressões de beleza. Menos rótulos, mais histórias; menos contrastes estéreis, mais harmonia no Espírito.
P.S. – Já este texto estava escrito quando encontrei o discurso do Papa no Encontro com os Educadores, no Jubileu do Mundo Educativo, 3 dias depois da Carta Apostólica, em torno de quatro princípios fundamentais da educação cristã: a interioridade, a unidade, o amor e a alegria. Complementa na perfeição aquela Carta.