Por João Amaral

Quando o Senhor chamou Francisco para si, todos fomos avassalados por uma terrível dor, uma perda aterradora, como se a morte de um familiar nosso se tratasse. Para grande parte de nós, Francisco era muito mais que um Papa, era o Papa do Povo, era nosso.
Nos meses que antecederam à sua morte, assistimos à degradação progressiva do seu estado de saúde, como se aquele homem fosse um avô querido que tivesse doente no hospital e rezamos muito por ele. Na verdade, tínhamos noção que era um idoso com um quadro clínico complicado, mas quando ele voltou à Casa de Santa Marta suspiramos de alívio, na esperança de que o pior já tivesse passado. No entanto, fomos todos convidados a refletir na nossa própria mortalidade, na forma como vivemos a nossa vida enquanto Cristãos, no propósito que Deus tem para cada um de nós. O nosso olhar elevou-se, mais uma vez, para Francisco naquela varanda de São Pedro, mal sabíamos nós que seria a sua última bênção e aquela volta à Praça a derradeira. Finalmente, fomos acordados na segunda-feira da Páscoa com o dobrar dos sinos e a dura realidade da sua partida. Será assim tão estranho que no dia que ainda comemoramos a ressurreição de Cristo, dia de alegria e celebração, O Senhor o tenha chamado para a Sua casa? Jesus lembra-nos que Deus não é dos mortos, mas dos vivos! E São Paulo adverte-nos que se Cristo não ressuscitou é vã a nossa fé. Ou seja, mesmo na sua morte, Francisco recorda-nos que somos todos marcados pela esperança da Páscoa e que Cristo é a nossa Páscoa.
Para uma Igreja que ainda não interiorizou o aggiornamento do nosso querido São João XXIII, também é claramente cedo para falar do legado do pontificado de Francisco. Em parte, deixou-nos a ideia de que a Igreja é imperfeita porque é humana, mas também nos legou um ideal, a personificação de uma Igreja diferente, casa comum, própria de Cristo. Ao recusar toda a ostentação do Papado, obrigou-nos a olhar para a forma como vivemos o Catolicismo, a desconstruir as nossas práticas, a ir além dos rituais dominicais. Com Francisco, fomos interpolados pelo próprio Cristo através do Seu Evangelho: eu estava com fome e me destes de comer; eu estava com sede e me destes de beber; eu era estrangeiro e me recebestes em casa; eu estava nu e me vestistes; eu estava doente e cuidastes de mim; eu estava na prisão e fostes me visitar. Mas quantos de nós aceitamos o convite do Papa e saímos da nossa zona de conforto, do nosso envelope de segurança? Quantos de nós compreendemos que a Igreja está no mundo e partimos dos nossos centros para as periferias? Quantos de nós percebemos que quando agimos com um dos menores dos irmãos, é a Cristo que o fazemos?
Termino com aquele episódio na Paróquia de São Paulo da Cruz em abril de 2018. O pequeno Emanuele (então com oito anos), envolto em lágrimas, pergunta a Francisco se o pai foi para o céu? Primeiro, aquele longo abraço cheio de ternura e amor, depois a resposta, o pai tinha um grande coração e que Deus não abandona os seus filhos. Acredito que uma das melhores formas de todos honrarmos a memória de Sua Santidade O Papa Francisco é lembrarmo-nos que Deus não faz aceção de pessoas. Ficou assim o convite para uma Igreja de todos, todos, todos! Saibamos manter as portas abertas.