O Senhor Professor não gaste as suas palavras…

Por Jorge Costa Pereira

Foto: Jorge Costa Pereira é professor e a partir de agora cronista regular do Igreja Açores

 

No ocaso da minha vida como professor, e já com a aposentação ali ao virar da esquina, ganhei o privilégio de poder olhar para a Escola com a tranquilidade emocional que a experiência de uma vida sempre nos dá. Mais: ganhei também um conveniente distanciamento, que me permite avaliar esta imprescindível instituição que é a Escola com alguma serenidade, sem dramatizar nem absolutizar problemas, tendo a vantagem de os enquadrar na longa duração das grandes transformações que o sistema educativo português conheceu neste meio século de Democracia.

Olho, portanto, para a Escola de hoje sem o saudosismo estéril de “no meu tempo é que era bom”, mas também sem a paixão irracional de quem olha para a árvore sem ver a floresta!

Sinto a Escola, ainda hoje, predominantemente refém daquilo que Eduardo Marçal Grilo um dia, magistralmente, chamou o “eduquês”. Os modismos estão nela cada vez mais presentes, até na forma precipitada e pouco refletida como os responsáveis políticos querem que a Escola resolva todos os problemas que a sociedade e as famílias se mostram incapazes de enfrentar – veja-se, por exemplo, no que se transformou o “programa” da disciplina de “Cidadania”. A tentação do recurso a uma terminologia incompreensível, alicerce do “eduquês”, persiste na vida das escolas em coisas tão simples (que propositadamente se complexificaram e, por essa via, se tornaram inacessíveis à compreensão dos pais e dos próprios alunos) como é o caso de muitos dos critérios da chamada “Avaliação por domínios”.

Mas, hoje, gostaria de partilhar uma outra fragilidade que sinto na Escola: aquilo a que eu chamo a “mentalidade do tanto faz”. Com pena e impotência assisti e assisto, a cada ano que passa, à proliferação, na maioria dos alunos, e salvaguardadas as notáveis exceções, de uma cultura de pouco brio, pouco empenho e pouca ambição. Tenho encontrado estudantes com enormes potencialidades e capacidades, mas que deixaram a sua vida escolar perder-se na apatia do “tanto faz ter 3 ou 4 ou 5”. Arreigaram-se à ausência de hábitos regulares de estudo e de trabalho, e à preguiça contagiosa de tudo fazerem sempre pelos mínimos. E, quando na sua vida escolar, se lhes exige mais alguma coisa, os maus hábitos acumulados durante anos, revelam-se um entrave, reconhecido pelos próprios, mas nem sempre ultrapassável. Basta ver as dificuldades crescentes por que passam muitos alunos quando chegam ao Ensino Secundário…

Infelizmente, noto que o sistema instalado favorece esta mentalidade. Em vez de se puxar pelo melhor que os alunos são capazes de dar, elevando os níveis da sua aprendizagem, a tendência imediata que se tende a implementar, face às primeiras dificuldades e em nome de uma mal assimilada cultura que se autointitula de “sucesso”, é a de baixar os níveis de exigência que se pedem aos alunos. Por isso, aqui há meia dúzia de anos, quando numa turma do 7º ano de escolaridade, refletíamos sobre a avaliação final, e eu lhes procurava incutir a necessidade de mais empenho e mais esforço no trabalho a desenvolver e os estimulava a conseguirem melhores resultados, o jovenzinho Rodrigo “sossegou-me” com estas palavras que não mais esquecerei: “O senhor Professor não gaste as suas palavras porque no final os outros professores vão votar para eu passar o ano!”

Ao favorecer a disseminação entre a comunidade educativa desta visão de um processo ensino/aprendizagem que não exige esforço, empenho, trabalho, não estará a Escola a dar um sinal claramente contraditório num mundo e numa sociedade cada vez mais exigentes em termos das competências que nos são pedidas, nomeadamente no mundo do trabalho?

Em 2016, na Horta, o então Secretário Regional da Educação, Avelino Meneses, deixou à comunidade educativa da Escola Manuel de Arriaga e à de todos os Açores uma reflexão que ainda hoje, penso eu, se impõe como um referencial para a análise e debate dentro da comunidade educativa. Disse ele que aspiramos a “Uma escola que, para incluir, não abdique da exigência, que, para exigir, não abdique da inclusão, que pratique a solidariedade, que é o instrumento da justiça, uma escola que estimule a competitividade, que é o instrumento do progresso”.

Não é objetivamente fácil equilibrar sempre tais questões. Mas sinto, com preocupação, que na dialética da sua harmonização, a exigência se tornou o elo mais fraco na Escola de hoje.

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