Bispo de Angra presidiu à celebração evocativa dos 40 anos da Ouvidoria da Lagoa, em São Miguel e desafiou a olhar os pobres “olhos nos olhos”
Na missa votiva que assinalou esta tarde, em Santa Cruz, os 40 anos da Ouvidoria da Lagoa, coincidindo com o 9.º Dia Mundial dos Pobres, o Bispo de Angra apelou à comunidade para não se limitar a conservar o que tem, mas a ler os desafios do presente com coragem, atenção aos mais frágeis e compromisso sinodal.
A celebração coincidiu com o Dia Mundial dos Pobres, momento que o prelado destacou como central na vida da Igreja: “Este dia recorda que os pobres estão no centro de toda a ação pastoral”. Citando as mensagens do Papa Francisco e do atual Papa Leão XIV, reafirmou que os pobres não são um tema social, mas “uma questão familiar”.
“A pior discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual”, disse.
Os pobres não são “categorias abstratas” e devem ser olhados “olhos nos olhos” disse D. Armando Esteves Domingues.
O bispo alertou ainda para a proliferação de falsos profetas que exploram medos e conflitos, pedindo discernimento num tempo onde importa escolher “evangelho ou ideologia, integração ou exclusão, amor ou indiferença”. E recordou que, no Evangelho, cada tragédia anunciada é acompanhada por um ponto de viragem: “Tudo muda sempre que cuido de um pedacinho da minha terra e das suas feridas”.
Partindo do Evangelho do dia, recordou que, enquanto os discípulos se maravilhavam com a imponência do templo, Jesus via para além das pedras: “Ele vê os sinais da decomposição do velho mundo marcado pelo pecado e das dores do parto de novos céus e de uma nova terra”. Por isso, lançou à assembleia uma questão direta: “Estamos na fase da conservação do que temos, ou a perscrutar os sinais novos para lhes dar resposta?”
O prelado advertiu para o fascínio contemporâneo por tecnologias, conquistas humanas e figuras de sucesso, lembrando, porém, a sua transitoriedade: “Só o homem, imagem de Deus, é eterno. É melhor que tudo desmorone, incluindo as igrejas mais bonitas, do que desmorone um único homem”.
Neste ano pastoral marcado pelo lema “cristão, que dizes de ti mesmo?”, o Bispo de Angra desafiou a comunidade a avaliar a credibilidade do seu testemunho, tanto na liturgia como no cuidado aos pobres. Perguntou ainda se as paróquias e a própria Ouvidoria estão dispostas a “seguir caminhos mais sinodais, mais participativos” e a integrar quem vive nas periferias sociais e espirituais.
Ao felicitar a Ouvidoria da Lagoa pelo seu 40.º aniversário, destacou a paróquia como “uma realidade existencial mais do que geográfica”, chamada a reconstruir proximidades e afirmar a dignidade e a vocação para a comunhão humana. Reforçou também o protagonismo laical lançado pelo Concílio Vaticano II, frisando que o leigo “é sujeito pleno da missão, levando o Evangelho ao trabalho, à cultura, à política, à economia e ao ambiente digital”.
Recordando a Carta Pastoral “Batizados na Esperança”, anunciou que este ano será dado um impulso aos Conselhos Pastorais, tornando-os obrigatórios em todas as paróquias.
“A formação não pode ser só a catequese até ao crisma. O mundo é exigente e Cristo preparou os discípulos até ao fim”, afirmou.
A homilia terminou com uma interpelação direta: “Quando o Senhor vier, ainda encontrará fé na terra?” Mais do que estruturas, disse, Cristo procura fé viva, aquela que acredita que o amor e a beleza são mais fortes do que a maldade e que a história humana termina num abraço chamado Deus.
“Ajuda-me a não pensar que é o fim”, concluiu o bispo: “O mundo não caminha para o caos, mas para os teus braços, para o abraço definitivo do amor.”
A ouvidoria da Lagoa é uma das ouvidorias da diocese com grandes bolsas de pobreza. Criada em 1984 por D. Aurélio Granada Escudeiro tem sete paróquias, uma delas ainda pertencente ao concelho de Ponta Delgada.









