Sem uma casa digna, não há integração possível

Por Ana Margarida Silva*

 

A história de Portugal e dos Açores, em particular, é o resultado do movimento de pessoas. Sempre fomos ponto de chegada e de partida. Mas hoje, são mais os que repudiam o movimento de pessoas, do que aqueles que têm a coragem de defender um país que respeite as diferenças, que integre ao invés de condenar, que apoie ao invés de burocratizar, que defenda ao invés de deportar.

Portugal precisa de reencontrar a coesão entre a firmeza legal e a humanidade que sempre nos distinguiu. Não se trata apenas de gerir fluxos migratórios. Trata-se de decidir que país queremos ser.

A lei geral de estrangeiros, que regula a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros de território nacional, sofreu, no passado mês de outubro, mudanças significativas. Um processo alvo de severas críticas por parte de especialistas jurídicos, organizações sociais, movimentos de defesa dos direitos humanos e até do fórum das organizações católicas para a migração e asilo. O novo diploma, promulgado pelo Presidente da República, restringe o reagrupamento familiar, limita o visto de procura de trabalho a profissionais altamente qualificados e acaba com os benefícios dos cidadãos da CPLP (Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa).

No entendimento do Governo da República, a nova lei regula a imigração e ajusta os fluxos à capacidade de integração do País. Mas será verdadeiramente isso que acontece na prática? Vejamos o caso específico da prova de alojamento, um dos requisitos à atribuição da residência. Até à aprovação da nova lei, a prova de alojamento era efetuada mediante apresentação de um contrato de arrendamento, ou na sua ausência, de um atestado de residência emitido pela Junta de Freguesia do local de residência. Agora, e de acordo com as recentes alterações, é exigida uma declaração de alojamento sob compromisso de honra, da morada de residência, acompanhada de prova da situação jurídica subjacente ao direito de uso do imóvel, isto é:  mediante certidão de registo predial ou disponibilização do respetivo código de acesso para comprovar o direito de propriedade ou o direito de usufruto, ou declaração do senhorio do imóvel ou da entidade arrendatária, consoante a sua natureza, com menção da situação jurídica subjacente ao direito de uso do imóvel.

O Governo considerou a nova Lei de Estrangeiros como uma forma digna de acolher quem chega. Mas será correto falar em dignidade quando perante uma exigência burocrática, os senhorios recusam declarar o arrendamento ou como contrapartida para emissão da declaração de alojamento decidem aumentar o valor da renda para valores que impedem as pessoas de lá permanecerem? Não será esta uma forma de convidar as pessoas, que trabalham e descontam para Segurança Social, a abandonarem o país?

A integração é, sem dúvida, fundamental para o sucesso de qualquer projeto migratório, tanto para o imigrante como para a sociedade de acolhimento. Uma pessoa integrada participa ativamente na vida social, cultural, política e económica do país, respeita as suas leis e valores, e contribui para a coesão social. É, por isso, legítimo que o Estado promova e incentive a integração na sociedade portuguesa. Contudo, é preciso distinguir entre promover a integração e impor barreiras desajustadas. O mercado de arrendamento em Portugal é extremamente difícil, em especial para as pessoas imigrantes, que enfrentam discriminação e exigências abusivas. Sem uma casa digna, não há integração possível.

 

*Ana Margarida Silva é a responsável pela Pastoral das Migrações na Diocese de Angra

 

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