“Migrações exigem respostas urgentes e mais coordenadas”- António Caldeira

Após participar no Fórum das Migrações, em Fátima, o psicólogo António Caldeira, da Pastoral das Migrações da diocese de Angra, defende que o fenómeno migratório cresce a ritmo acelerado, especialmente nos Açores, onde o aumento ronda os 22%, e alerta para a falta de recursos, para os impactos psicológicos nos migrantes e para a necessidade urgente de reforçar redes de apoio e combater preconceitos.

Foto: Imagem publicada na página online do Instituto Piaget

O psicólogo António Caldeira, que integra a Pastoral das Migrações na diocese de Angra, considera que a questão migratória assumiu “um caráter muito mais urgente” nos últimos anos, sobretudo na Região Autónoma dos Açores e o passo mais importante que deve ser dado é na luta contra o discurso do ódio e da xenofobia.

O especialista, que participou no Fórum das Migrações promovido pela Conferência Episcopal Portuguesa e realizado no último fim de semana em Fátima, sublinha que as instituições sociais “ têm feito um enorme trabalho”, mas enfrentam uma escassez significativa de recursos para responder ao aumento de pessoas migrantes.

Segundo dados que acompanha no terreno, o número de migrantes na região “cresceu à volta de 22%”, pressionando serviços de apoio social e psicológico.

António Caldeira destaca ainda o impacto emocional vivido sobretudo por migrantes regressados dos Estados Unidos, muitos deles deportados: “Voltamos a encontrá-los com consumos de substâncias, quadros de stress pós-traumático e experiências de encarceramento”.

Apesar das dificuldades, o psicólogo relembra que a maioria destas pessoas “quer trabalhar e ter uma vida normal”. E os números confirmam: “Em cada 100 migrantes, 83 contribuem para a Segurança Social; entre portugueses, o número ronda os 47”, sublinha, defendendo que esta realidade “quebra muitos dos preconceitos alimentados pelo discurso político mais polarizado”.

A integração continua, porém, um processo frágil. O psicólogo observa vulnerabilidades que “passam despercebidas”, agravadas por discursos públicos que geram desconfiança. Ainda assim, destaca que a realidade açoriana “é menos marcada pela discriminação” quando comparada com o continente, elogiando comunidades como a da Ilha das Flores pelo forte espírito de acolhimento.

Os casos de sucesso, garante, são muitos. O psicólogo recorda que até há bem pouco tempo, muitos migrantes em situação de vulnerabilidade socioeconómica deixavam de depender de subsídios ao fim de nove meses, tornando-se economicamente autónomos.

“É uma realidade que contraria a perceção negativa que muitas vezes vem dos media e da política”, afirma.

Para combater esta narrativa distorcida, António Caldeira reforça a necessidade de uma comunicação mais clara e baseada em factos: “Precisamos de divulgar dados, experiências e realidades que mostram os migrantes como membros produtivos da sociedade”. Destaca também que serviços, paróquias e entidades que trabalham no terreno têm responsabilidade em construir esta nova perceção.

Nos Açores, a realidade é transversal a todos os concelhos, embora Ponta Delgada, Horta e Angra do Heroísmo concentrem o maior número de migrantes. Observa-se ainda uma preocupação crescente com estudantes estrangeiros que chegam com apoios insuficientes e acabam vulneráveis a rendas abusivas e mercados paralelos. As principais nacionalidades presentes na região incluem brasileiros, nepaleses, ucranianos, cabo-verdianos e cidadãos deportados dos Estados Unidos.

A mensagem final de António Caldeira ecoa a do Fórum das Migrações: a necessidade de reforçar coordenação entre entidades, melhorar a comunicação pública e promover uma integração baseada em empatia, realismo e proximidade. “Os migrantes são, antes de mais, pessoas. E, para nós, como recordou o encontro em Fátima, são irmãos”.

Foto: Ecclesia

A CEP realizou hoje o I Fórum Migrações, com o objetivo de sensibilizar e formar as comunidades cristãs para o fenómeno migratório, e reuniu 70 pessoas – bispos, de agentes pastorais das dioceses com ligação à dinâmica das migrações, de organismos nacionais da Conferência Episcopal e de congregações religiosas -, este sábado, dia 15 de novembro, no Centro Pastoral Paulo VI, em Fátima.

“Em síntese está a valorização da pessoa humana como força da nossa mensagem cristã e o reconhecimento da fraternidade humana presente na nossa mensagem e de reconhecer que, para nós, Igreja, não há estrangeiros, digamos assim, são todos irmãos e irmãs quando celebramos a Santa Missa, estamos em comunidade cristã”, concluiu D. José Traquina deste encontro.

“Temos que olhar para o fenómeno migratório como uma questão natural, é uma questão humana, é uma estratégia para lutar contra a pobreza, é uma estratégia para o autodesenvolvimento, é uma estratégia para desenvolver as comunidades de origem. Temos que olhar de uma ou outra forma e sermos capazes de dialogar sobre as questões que são transversais, sobre o que é que acontece com os países de origem quando perdem os seus migrantes, e os Estados passam todos por isto”, desenvolveu Eugénia Quaresma, da Obra Católica das Migrações.

Segundo a responsável da OCPM, é importante, e saiu reforçado neste Fórum Migrações, que é preciso “olhar para a pessoa em circunstância de migração, que pode ser qualquer um”, porque as causas que trazem as pessoas para Portugal e as causas que levam os portugueses a emigrar “são cíclicas e podem bater à porta de qualquer um”.

“A questão das migrações é complexa e precisa de respostas interligadas; As causas das migrações são as mesmas, as de hoje e as de ontem: São as guerras, são as questões climáticas, é o desejo pessoal de se desenvolver, é a própria vocação para acompanhar os migrantes”, acrescentou, reforçando que o modo como se escuta, se acolhe ou não os migrantes “é isso que faz a diferença”, e alertou que há exemplos de exclusão “que trouxeram prejuízo a longo prazo”.

Nas conclusões do I Fórum Migrações, promovido pela Conferência Episcopal Portuguesa, os participantes apresentaram algumas reflexões, após reunirem por grupos ao estilo sinodal, que marcam a realidade do fenómeno migratório em Portugal, e alertam, por exemplo, para a “degradação da opinião sobre os migrantes no espaço público”, que a “falta de evangelização na Igreja” dificulta respostas mais abertas e integradoras, que as dificuldades dos migrantes no acesso à habitação digna, aos cuidados de saúde e à educação “são transversais”.

Os agentes pastorais da Igreja consideram também que os desafios no acesso ao reagrupamento familiar por parte das famílias imigrantes, “é uma ameaça à garantia da dignidade da pessoa humana e comprometem a coesão social”, devido à importância da família “no desenvolvimento integral da pessoa humana”.

Os 70 participantes deste fórum dedicado às migrações também propuseram várias linhas de atuação, como “reconhecer em cada migrante um irmão”, a Igreja Católica ser uma “voz protetora dos migrantes” e ter uma estratégia de comunicação integrada, conhecer também o trabalho a nível paroquial e diocesano, “mapeando os recursos disponíveis, partilhando aprendizagens e boas práticas”, trabalhar em rede.

“Exige-se à Igreja que, de uma forma articulada internamente, tenha capacidade de negociação com o Estado e com o tecido empresarial para responder às necessidades concretas relacionadas com a escassez de habitação ou mesmo de respostas alternativas e complementares às já existentes.”

(Com Ecclesia)

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