Entrevista ao Igreja Açores

No contexto das comemorações dos 60 anos do Concílio Vaticano II e da promulgação dos documentos Optatam Totius e Presbyterorum Ordinis, o padre José Júlio Rocha apresentou uma leitura aprofundada da Carta Apostólica do Papa Leão XIV, intitulada “Uma fidelidade que gera futuro”. O documento, estruturado em 29 pontos essenciais, propõe uma reflexão atualizada sobre a identidade e a missão do sacerdócio na Igreja contemporânea.
Segundo o sacerdote, que é o Vigário Episcopal para o Clero, a fidelidade é a tónica dominante de toda a Carta, atravessando os seus cinco grandes eixos temáticos: fidelidade e serviço, fidelidade e fraternidade, fidelidade e sinodalidade, fidelidade e missão e fidelidade e futuro.
“Basta olhar para os títulos para perceber que a fidelidade é o fio condutor”, enfatizou.
Na sua leitura, o padre José Júlio Rocha destacou que o Papa entende a fidelidade como continuidade do amor, enraizada numa perspetiva profundamente cristocêntrica.
“É Cristo que chama, é Cristo que é o modelo e é em Cristo que o sacerdote se transforma sacramentalmente”, explicou, acrescentando que toda a vocação nasce de um encontro pessoal com Jesus.
A vocação sacerdotal, frisou, não é apenas uma experiência interior, mas uma chamada que vem de fora: “A vocação é sempre uma resposta. Uma resposta de fidelidade”.
Num mundo marcado pela volatilidade, pela desistência fácil e pela fragmentação, o Papa faz, assim, um apelo claro à perseverança e à constância na vida sacerdotal.
Outro aspeto fortemente sublinhado na Carta é a importância da formação permanente, associada à oração e à vida espiritual. Inspirando-se no Evangelho de São João, o padre José Júlio Rocha lembrou que fidelidade é “permanecer no amor”, não desistir, mesmo nas horas mais difíceis.
“O amor verdadeiro é aquele que é fiel e duradouro”, afirmou.
Entre os vários temas abordados, o sacerdote destacou a fraternidade sacerdotal como um dos grandes anseios do Papa Leão XIV. Para além da relação pastoral com o povo de Deus, o Papa apela a uma amizade profunda entre os próprios sacerdotes, que partilham a mesma vocação e missão.
“O testemunho do amor entre os irmãos é o verdadeiro fermento evangelizador”, afirmou, alertando para os riscos do isolamento e do individualismo pastoral que marcaram, em muitos contextos, o período pós-conciliar. A falta de fraternidade, sublinhou, compromete também a vivência autêntica da sinodalidade.
“O desafio da sinodalidade – que não elimina diferenças, antes as valoriza – continua a ser uma das principais oportunidades para os sacerdotes do futuro”, escreve o Papa no texto analisado pelo Vigário Episcopal para o Clero.

“Ambos os documentos estão firmemente alicerçados na compreensão da Igreja como Povo de Deus peregrino na história e constituem um importante marco na reflexão sobre a natureza e missão do ministério pastoral e sua preparação, conservando ao longo do tempo grande vitalidade e atualidade”, refere o Papa.
Leão XIV afirma que “é necessário que o ministério do presbítero supere o modelo de uma liderança exclusiva”, assumindo “o peso de todas as responsabilidades”, e fomente uma pastoral “cada vez mais colegial, na cooperação entre presbíteros, diáconos e todo o Povo de Deus, naquele enriquecimento recíproco que é fruto da variedade dos carismas suscitados pelo Espírito Santo”.
“A comunhão, a sinodalidade e a missão não podem, com efeito, acontecer se, no coração dos sacerdotes, a tentação da autorreferencialidade não der lugar à lógica da escuta e do serviço”.
O Papa recorda o Documento Final da segunda sessão da XVI Assembleia Sinodal, que pede uma “uma conversão das relações e dos processos”, apontando para a necessidade de se concretizarem “iniciativas adequadas para que os presbíteros possam familiarizar-se com as diretrizes deste Documento e experimentar a fecundidade de um estilo sinodal de Igreja”.
“Há ainda muito a fazer”, lembra o Papa.
Leão XIV refere-se à fidelidade não como “imobilismo ou fechamento, mas um caminho de conversão quotidiana que confirma e amadurece a vocação recebida”, apontando para a necessidade de formação integral e contínua, no contexto da “crise de confiança” na Igreja por causa dos abusos do clero.
“A crise de confiança na Igreja provocada pelos abusos cometidos por membros do clero, que nos enchem de vergonha e apelam à humildade, tornou-nos ainda mais conscientes da urgência de uma formação integral que assegure o crescimento e a maturidade humana dos candidatos ao presbiterado, a par de uma vida espiritual rica e sólida”.
O Papa sublinha também a importância da formação “para enfrentar o fenómeno de quem abandona o ministério, após alguns anos ou mesmo décadas”.
“Esta dolorosa realidade não deve ser interpretada apenas numa perspetiva jurídica, mas exige que se olhe com atenção e compaixão para a história destes irmãos e para as múltiplas razões que puderam levá-los a tal decisão”, afirma.
A formação que “envolva todos os aspetos da vida” foi sublinhada pelo Papa, desde o tempo da formação nos seminários, em ordem a “candidatos humanamente maduros e espiritualmente firmes”.
“Apenas os sacerdotes e consagrados humanamente maduros e espiritualmente firmes, ou seja, pessoas em quem a dimensão humana e a espiritual estão bem integradas e que, por isso, são capazes de relações autênticas com todos, podem assumir o compromisso do celibato e anunciar de forma credível o Evangelho do Ressuscitado”
Leão XIV refere-se à fraternidade presbiteral como “um dom inerente à graça da Ordenação”, superando, “em primeiro lugar”, a “tentação do individualismo”, “Não por acaso, o Concílio Vaticano II falou dos presbíteros quase sempre no plural: nenhum pastor existe sozinho”, afirma.
O Papa afirma que a fraternidade presbiteral deve ser um “ponto a ser trabalhado com renovado vigor”, alertando que “resta ainda muito a fazer”, nomeadamente no que diz respeito à “equiparação económica entre aqueles que servem paróquias pobres e aqueles que exercem o ministério em comunidades abastadas” e à “assistência social na doença e na velhice em vários países e dioceses”.
Leão XIV refere-se também ao ministério diaconal como “um dom a conhecer, valorizar e apoiar”, valorizando o serviço “discreto mas essencial” de “homens dedicados à caridade”.
No documento, o Papa agradece a todos os sacerdotes que “oferecem a sua vida, celebram o sacrifício de Cristo na Eucaristia, anunciam a Palavra, absolvem os pecados e se dedicam generosamente, dia após dia, aos seus irmãos e irmãs, servindo a comunhão e a unidade e cuidando, em particular, de quem mais sofre e passa necessidade”, em todas as partes do mundo.
(Com Ecclesia e Vatican news)