A guerra, a prestação da casa e as compras do supermercado

Por Carmo Rodeia

As rendas de casa vão subir por causa da subida das taxas de juro. Estima-se que possam representar para algumas famílias um custo adicional de 300 euros/ano. A boa prática da gestão doméstica, internacionalmente definida aconselha a que a renda da casa paga, seja ao banco seja a um senhorio, não vá além dos 33% do orçamento familiar. Os restantes 67% serão para gastar nas chamadas despesas correntes- luz, agua, gás, internet (sim porque hoje ninguém a dispensa) associada à TV, educação, supermercado, combustíveis, saúde, que certamente ficará cada vez mais desequilibrada por sobrar tanto mês para tão curto ordenado.

E assim vamos em Portugal e no mundo, dizem-nos agora por causa da guerra. Antes era por causa da pandemia. E antes era o quê?!

O meu filho mais novo que vive com os irmãos numa casa arrendada em Lisboa, a onde estudam e trabalham, dizia-me escandalizado: “mãe, quando é que a guerra acaba para as coisas voltarem à normalidade. Está impossível viver: fui ao supermercado fazer as compras do mês lá para casa, gastei o dobro e trouxe metade?!…”.

Pois é filho, julgo que a guerra não vai acabar nem tão cedo, respondi eu ciente de que a guerra de que eu estava a falar era diferente da da Ucrânia, que ele tinha invocado.

A guerra continuará e será sempre o que foi: um modelo de desenvolvimento e crescimento que mata. O foco centrado apenas na competitividade e no lucro está desfocado; trabalhamos que nos desunhamos e não passamos da cepa torta.

Não tive coragem de lhe dizer isso assim desta maneira, porque ele educado neste modelo e também cheio de entusiasmo ideológico, o que é saudável num jovem de 20 anos, prestes a completar 21, está cheio de ambição e de sonhos: acabar o curso, fazer um mestrado, trabalhar, correr mundo, construir família… Os sonhos dele não são diferentes dos meus há trinta anos atrás, quando tinha a idade dele. Mas estou ciente de que não vai ter nem as facilidades que eu tive nem a possibilidade de os concretizar tão cedo. Ele, como os irmãos já fazem, fará parte da geração mais qualificada e bem preparada tecnicamente de sempre; trabalhará mais do que qualquer um dos nós, eu ou o pai trabalhámos na idade deles, mas também será mais explorado do que qualquer um de nós foi.

A esta hora, quando ele ler este texto, rir-se-á e dirá aos irmãos “ a mãe foi atacada de novo pela veia comuna” e eu respondo-lhe daqui antes que seja tarde: nesta altura em que País se encontra mergulhado na prática numa situação de emergência social, decorrente dos constrangimentos económicos e financeiros, depois da pandemia e agora da guerra, preço demasiado alto que todos teremos de pagar pela defesa da liberdade e dos valores democráticos, importa sublinhar que a vida não tem de ser assim. Há opções políticas que podem ir noutro sentido. Há outro rumo que poderemos tomar para além da gramática liberal, em que os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres… E no meio ficamos todos nós a tentar lutar, umas vezes com o tronco fora de água e outras apenas com a cabeça, a tentar não nos afogarmos.

A defesa da dignidade da Pessoa Humana e da Família, o valor da propriedade privada que não é nem nunca pode ser um absoluto em si mesmo, o principio da subsidiariedade, o papel insubstituível do Estado… E poderia continuar.

O magistério da Igreja é rico em sugestões, desde a Rerum Novarum à Evangelli Gaudium. São 131 anos de vários documentos, publicados pelos sucessivos papas que nos dão tantas alternativas. Bastaria lê-las.

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