A Páscoa prometida

Por Carmo Rodeia

Tropecei há dias num quadro da “Quaresma da Misericórdia” que o Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura tinha a partir de um conjunto de gravuras de Georges Rouault, uma exceção na arte do século XX, que combina o sentido carnal da fé com a luz espiritual, referia o texto.

O Cristo que se nos apresenta é pouco ortodoxo na medida em que é uma imagem grosseiramente desenhada bem longe daqueles Cristos perfeitos, de olho azul, louro, com uma cara angelical.

Chamou-me a atenção porque me fez lembrar o Cristo da Basílica da Santíssima Trindade, no Santuário de Fátima, de cabelos desalinhados, olhos bem abertos mas humildes, traduzindo uma expressão que não é de parte nenhuma, mas de todo o lado; de braços e pernas fortes e, sobretudo de mãos grandes e compridas capazes de segurar todas as pessoas do mundo, a partir da sua cruz, que é também a nossa cruz, porque o mistério de Cristo não é algo que esteja fora de nós. E, a partir dele, comecei a pensar na Quaresma e na Páscoa. Não para evocar um acontecimento histórico mas para aproveitar este tempo para fazer uma opção decisiva de fé e de amor, para que a Páscoa seja mais do que uma festa doce de amêndoas.

A cruz tem aqui um papel fundamental porque é dela que temos de tirar as forças suficientes para caminharmos, aproveitando este tempo favorável, que é a Quaresma. É a partir dela que devemos seguir em frente, porque é nela que encontramos a vida e o perdão.

É a partir da cruz que Jesus nos mostra o Pai e revela como Ele está sempre presente em todas as etapas da nossa vida.

Aos pés da cruz, o centurião afirma: “Este homem, verdadeiramente, é o filho de Deus”. Ou seja, na Sua humanidade extrema, na radicalidade da sua entrega que o pendurou naquele martírio que a cruz significa, Jesus dá-nos a conhecer o verdadeiro rosto do Pai.

É assim que começamos a Quaresma, tempo de conversão e sobriedade, mas também tempo de alegria e de preparação para a festa.

«Quando jejuardes, não mostreis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto para que os outros vejam que eles jejuam. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa» (Mateus 6,16).

O Papa Francisco fala-nos recorrentemente da misericórdia de Deus.

Diz ele que a misericórdia de Deus é um anúncio ao mundo, mas cada cristão é chamado a fazer pessoalmente experiência de tal anúncio. O primeiro apelo é dirigido a cada pessoa que professa a fé, no sentido de levar a sério a caminhada quaresmal, abrindo-se ao convite da Igreja, acolhendo as propostas de jejum, de oração intensa e de caridade ativa.

Jesus não morreu na cruz gratuitamente. Fê-lo por amor. Temos nós o direito de não continuarmos a ser testemunhas deste amor?

A Quaresma são os tais 40 dias que são memória dos 40 dias de deserto, segundo a narração evangélica. Mas também dos 40 anos que o Povo de Deus fez de caminho, de preparação, de reencontro consigo mesmo, até entrar na Terra Prometida.

Não temos qualquer direito de ficar no deserto. Inspiremo-nos, então, na cruz e preparemo-nos, para a Páscoa. Na vida temos de experimentar sempre a Páscoa, senão para que serve a fé…

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