Angra: cidade e diocese celebram 491 anos de “história partilhada”

Bispo de Angra proferiu conferência nos Paços do Concelho sobre os 491 anos de elevação de Angra a cidade

 

Angra do Heroísmo assinalou esta quinta-feira os 491 anos da sua elevação a cidade, num ato solene que reforçou a ligação histórica entre o município e a Diocese de Angra, fundada no mesmo ano, 1534, constituindo desde então “uma identidade comum” afirmou D. Armando Esteves Domingues.

“Hoje, nesta casa da democracia local, celebro convosco essa identidade partilhada entre a cidade civil e a Igreja, entre o povo e a sua alma” afirmou o bispo de Angra, na conferência intitulada “Cidade e Diocese: Juntas a fazer história”, em que recordou que a cidade e a Diocese nasceram praticamente “gémeas”, por decisão de D. João III e pela bula Aequum reputamus, do Papa Paulo III.

No evento, que  decorreu na Câmara Municipal reunindo autoridades civis, eclesiásticas e convidados, o bispo de Angra sublinhou que esta relação de quase cinco séculos é visível não apenas na vida religiosa, mas também na educação, na cultura, na organização social e até na configuração urbana.

“Celebrar 491 anos da fundação da cidade de Angra é também um ato de memória e responsabilidade. Memória das raízes que nos moldaram e responsabilidade para prosseguir, com inteligência e fidelidade, o projeto coletivo que aqui se iniciou em 1534”, destacou ainda.

“Nasceram juntas e a história nunca mais as separou” disse D. Armando Esteves Domingues.

Ao longo dos séculos, a Diocese de Angra desempenhou funções centrais na formação cultural e social da população. Do Seminário Episcopal, fundado em 1862, ao Instituto Açoriano de Cultura, criado em 1955, a Igreja esteve ligada a várias instituições de relevo no desenvolvimento da cidade e na formação dos Angrenses, para além de publicações como o Boletim Eclesiástico dos Açores, a mais antiga dos Açores ainda em atividade.

“A história da cidade de Angra e da diocese está profundamente entrelaçada, ao ponto de se poder afirmar que ambas cresceram e se afirmaram em simbiose, alimentando-se mutuamente ao longo dos séculos. É impossível compreender a identidade de Angra do Heroísmo sem reconhecer o papel estruturante da Igreja, quer no acompanhamento espiritual dos indivíduos, quer na modelação da paisagem urbana, social e cultural” disse ainda o prelado.

“As grandes igrejas, conventos e ermidas moldaram a cidade e foram centros de encontro, partilha e esperança”, exemplificou o prelado.

“Os espaços do sagrado tornaram-se também centros de sociabilidade, locais de encontro, de partilha, de esperança. A religiosidade açoriana, forjada no contexto da insularidade e das calamidades naturais, encontrou na Igreja o seu maior amparo. O sentimento de pertença a Angra passou também por um enraizamento na tradição cristã, nas festas religiosas, nas procissões, no toque dos sinos”, disse.

“Mesmo nas horas mais difíceis, não se quebrou o vínculo”, enfatizou recordando momentos de tensão como foram as guerras entre absolutistas e liberais ou outros conflitos.

“O espírito reformador de bispos como D. José Damasceno da Costa ou a criação do Conselho Diocesano de Assistência do Culto e Clero após 1911 demonstram a capacidade de adaptação da Igreja e a sua vontade de continuar presente, útil e inspiradora. Não se pode ignorar que foi na sombra da Sé, e muitas vezes à margem do poder político, que se manteve viva a chama da solidariedade e da esperança cristã” denotou por outro lado.

Foi também lembrada a presença das ordens religiosas, como franciscanos e jesuítas, cujo contributo marcou a educação, a assistência social e a vida espiritual das comunidades açorianas.

A conferência sublinhou igualmente a renovação trazida pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), que abriu espaço a uma maior participação dos leigos e a uma Igreja mais próxima das comunidades. Nos Açores, segundo D. Armando Esteves Domingues, essa transformação foi protagonizada por professores do Seminário de Angra e traduziu-se na dinamização cultural e pastoral em várias frentes, apesar de ter gerado também tensões no clero.

Atualmente, a Diocese de Angra integra 172 paróquias e curatos, 123 padres, 12 diáconos, 84 religiosas, 5 religiosos e milhares de leigos ativos em movimentos, catequese e confrarias. O Corpo Nacional de Escutas, com mais de 3200 membros, é apontado como o maior movimento juvenil ligado da diocese e comemora a partir de amanhã e até dia 25 os 100 anos de presença no arquipélago.

Na conferência, que recordou alguns marcos históricos na vida diocesana e perspetivou o próximo ano pastoral inserido num triénio, de um conjunto de três até à celebração dos 500 anos, D. Armando Esteves Domingues salientou que a sociedade açoriana enfrenta desafios que convocam a cidade e a diocese “ a renovar a sua aliança histórica”.

Entre os desafios destacados estão a secularização, o individualismo e a fragmentação social. Para lhes responder, cidade e diocese são chamadas a reforçar a sua cooperação, não só na preservação do património religioso e cultural, mas também na promoção de justiça social e proximidade comunitária.

“Numa sociedade que procura sentido, pertença e valores, a tradição cristã pode continuar a ser fermento de humanidade, espaço de diálogo e de encontro. A diocese de Angra, como sempre o fez, está apta a oferecer esse horizonte espiritual e comunitário, precisando para tal de escutar, discernir e agir com audácia evangélica”, garantiu o bispo de Angra.

O orador concluiu lembrando que, ao longo da história, “cidade e diocese foram farol em tempos de incerteza, trincheira em tempos de confronto e lar espiritual em tempos de marginalização”.

Depois da sessão solene seguiu-se um concerto na Praça Velha, como Coro Padre Tomás de Borba- AMIT.

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