Bispo de Angra desafia padres a “dar tudo” para “erradicar” imagem de uma igreja autoritária, autorreferencial e presa a bens materiais

Foto: Igreja Açores/RH

D. Armando Esteves Domingues presidiu à Missa Crismal na Sé de Angra, reunindo clero de todas as ilhas: “os presbíteros não são artigos em série”

O bispo de Angra presidiu esta manhã à sua primeira Missa Crismal enquanto prelado diocesano, na Sé, e pediu aos padres que dessem tudo para renovar a Igreja erradicando todos os comportamentos que possam afastá-la de Cristo.

“Este é o nosso momento. Dar tudo de nós mesmos para erradicar da sociedade inteira tudo o que são imagens gastas de pastor que se entende como tendo recebido o poder diretamente de Deus. O poder é de Cristo e nele somos chamados a viver e agir, como humildes servos” afirmou o prelado que conseguiu reunir na Sé, pela segunda vez, na história mais recente, sacerdotes de praticamente todas as ilhas numa celebração relevante.

“Ser padre é uma missão nobre e exige generosidade e espírito de serviço” destacou lembrando que o momento atual é “uma oportunidade para purificar tudo o que não dá beleza ao ministério”.

“Estamos sob suspeita, levamos na nossa cruz o peso das falhas de alguns irmãos nossos e a dor das vítimas. Quando alguém falha, falhamos todos. Quando alguém sofre somos todos” afirmou D. Armando Esteves.

“No caminho que fazemos para construir comunidades em estilo sinodal, os abusos podem ser de poder, de autorreferencialismo, de menosprezo pelo sentir e pensar dos fiéis leigos em relação ao que diz respeito a todos, de consciência, de busca desmedida de bens materiais” referiu o bispo de Angra na homilia especialmente dirigida aos sacerdotes , que hoje renovaram as suas promessas sacerdotais, como faz parte do rito da Missa Cismal.

“Dignificá-lo depende de cada um de nós e passa por nos desprendermos de nós mesmos, das coisas e das pessoas” procurando “algum desejo sincero de dar o melhor, de ser padre à medida do coração do Mestre”, afirmou.

“A nossa missão, nascida do lado aberto de Cristo, não é olhar e chorar as próprias feridas, mas, aceitando-as e amando-as, sair mais forte para consolar os sem dignidade e libertar todas os que são vítimas de maldade, os injustiçados e desprezados porque frágeis” sublinhou o prelado apelando à fraternidade e à comunhão.

“Precisamos de uma imagem renovada de Igreja que deve acontecer com paciência e confiança na misericórdia de Deus, mas sem prevaricar” disse ainda.

O prelado, que tratou os sacerdotes como “filhos caríssimos”- “Se ainda não somos, quero que nos tornemos família, para mim tanto ou mais importante que a de sangue. Sois a família que Deus me deu e me confia para cuidar”- afirmou com emoção, “olhos nos olhos, coração a coração”, que também como bispo tudo fará para testemunhar com a autenticidade da vida e “não pela força do ministério” o exercício de liderança na igreja insular.

A homilia, toda ela virada para a vocação sacerdotal, foi um permanente convite a uma revisão de vida sobre o sacerdócio.

“Por vezes, dou por mim a pensar sobre o ponto em que me encontro. Se `estou no ponto´ para usar uma expressão da culinária, se estou nesse ponto que é Cristo, ou se ando a ficar sem sal ou sem o sabor requintado da vida da Palavra em mim”, disse apelando a um exame permanente de consciência, até na relação com os outros.

O prelado salientou a “comunhão” e a “fraternidade” como marcas distintivas do sacramento da ordem e alertou para o perigo dele ser vivido de forma “muito individual” e “numa conceção muito exclusivista”.

“Os presbíteros não são artigos em série”, mas “um presbítero que só se ocupa da sua paróquia ou comunidade e se desentende do resto da diocese reduz substancialmente a sua missão presbiteral e adultera-a”, disse.

“Um presbítero que considera a sua comunidade como algo exclusivamente próprio, `um couto privado´ e considera uma intromissão o cuidado e a preocupação que outros têm por ela, desconhece que a missão que lhe é pedida é co-missão. E isto precisamos de o ver concretizado na colaboração pastoral, em comunidades abertas, em saída!”, esclareceu.

“ O padre é o homem da comunhão” enfatizou, lembrando que “todos” são “construtores da unidade e comunhão indispensável em qualquer célula da Igreja” e que os padres, em particular “devem gerar”.

Foto: Igreja Açores/RH
Foto: Igreja Açores/RH

D. Armando Esteves Domingues, falou ainda de um outro gesto que integra o rito da ordenação sacerdotal: a unção das mãos do neo-sacerdote.

“Nesta celebração, durante a bênção do óleo do crisma, irei rezar por aqueles que irão receber a unção e pedirei que os que forem com eles ungidos no seu corpo sejam também ungidos na sua alma”, explicitou.

“A unção toca o ser, instala-se na vida toda. Entramos nele pelo batismo, somos fortalecidos pela confirmação e marcados para servir na Ordenação. Caros, padres, esta é uma unção que nos fará felizes”.

“Precisam-se padres ungidos e que sejam lavadores de pés”, afirmou ainda lançando um repto: “Sede padres felizes, em cada momento da vida, mesmo fora dos momentos em que visivelmente exerceis o ministério ordenado!”

Nesta Missa Crismal foram ainda celebrados os jubileus de quatro sacerdotes: os padres João Pires, atual reitor do Santuário de Nossa Senhora dos Milagres (Serreta, ilha Terceira) e Luís Gabriel Cordeiro, sacerdote em Turlock, na Califórnia, que assinalam 25 anos de ordenação e os padres Abel Noia e Ângelo Valadão, Deão da Sé, que celebram 50 anos de sacerdócio.

Foto: Igreja Açores/RH
Foto: Igreja Açores/RH

A Missa Crismal habitualmente é celebrada na quinta-feira santa de manhã, precedendo o tríduo pascal, mas nos Açores, por causa da dispersão geográfica e de forma a garantir que os sacerdotes estejam perto do bispo e possam regressar atempadamente às suas paróquias para as celebrações pascais, foi antecipada para esta terça-feira. Já ontem, cerca de 40 sacerdotes, sobretudo de São Miguel e Santa Maria renovaram as suas promessas, diante do bispo, na Igreja Matriz de São Sebastião, em Ponta Delgada.

As celebrações na Sé prosseguem agora na quinta-feira com a Missa da Ceia do Senhor, às 20h00. D. Armando Esteves Domingues estará antes, ainda,  na Casa de Saúde de São Rafael a onde presidirá a uma missa que junta os utentes das duas casas de Saúde – São Rafael e Espírito Santo- a quem lavará os pés, antecipando esse gesto que ainda hoje escandaliza a humanidade e que é uma das principais mensagens de Jesus: a humildade expressa no serviço.

Na Sexta-feira Santa presidirá à Paixão do Senhor, às 15h00, também na Sé e à Via-sacra, às 20h00, com a oração a Nossa Senhora da Soledade.

No Sábado Santo o bispo de Angra celebrará à Vigília Pascal às 21h30, com transmissão em direto na RTP Açores.

No domingo, além da Sé, D. Armando presidirá à Missa da Ressurreição do Senhor no Estabelecimento Prisional de Angra do Heroísmo.

 

 

 

 

 

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