O jornalista Sidónio Bettencourt deixa testemunho pessoal a partir da sua relação com o sagrado e religioso

Numa partilha profundamente íntima, quase “visceral”, o jornalista e poeta Sidónio Bettencourt foi o orador convidado da 19ª sessão das “Conversas na Sacristia”, que decorreu esta quinta-feira ao final do dia na Paróquia de São José, em Ponta Delgada.
Sob o tema “Deus e vida – espiritualidade e esperança”, o conhecido comunicador açoriano abriu o coração e falou da sua relação com Deus, com a Igreja e com os desafios interiores que a vida lhe foi impondo.
Numa intervenção marcada por emoção e autenticidade, Sidónio Bettencourt recordou um dos momentos mais dolorosos da sua vida: a morte do filho de dois anos, Júlio Pedro.
“Quem perde um filho fica de luto a vida inteira”, confessou.
“Há vários lutos… todos diferentes, todas perdas irreparáveis que abalam a nossa estrutura religiosa e cultural”, enfatizou
Entre lágrimas e memórias, falou da necessidade de uma Igreja que acompanhe, que ofereça consolo e que procure dar sentido ao sofrimento humano.
“Não precisamos de juízes nem de advogados, mas de homens da Palavra, homens do Evangelho, padres com paternidade espiritual mais intensa e disponível”, desabafou, apontando a necessidade de uma formação mais humanista e pastoral dos sacerdotes.
O jornalista da RTP/Açores, com mais de quatro décadas de carreira e rosto de programas como o “Inter-Ilhas” e “Atlântida”, partilhou também as suas inquietações sobre a vivência da fé e o modo como a Igreja, por vezes, pode falhar nos momentos mais difíceis.
“Houve fases da minha vida em que a Igreja não esteve lá”, confessou. Ainda assim, destacou o valor da oração e a busca constante de sentido.
“Rezar é comover-se, é uma expressão da alma. Gosto do recato das igrejas ao meio da tarde, do silêncio, de poder estar o tempo que quiser”, disse.
“Cedo aprendi a rezar em silêncio as guerras, os frios das Américas, as viagens da saudade…”, disse recordando que “aprendeu a viver as dificuldades sozinho procurando o seu próprio sentido, sem necessitar de intermediários no sentido de uma santificação, sobretudo de intermediários que não me compreendem”, afirmou ainda.
Em tom crítico, manifestou-se contra certas expressões de religiosidade que considera “folclóricas e afastadas” da essência do Evangelho, das “igrejas fechadas” e “o religioso pelo religioso que ofusca a nobreza do evangelho”.
“Detesto o folclorismo de algumas práticas religiosas. O que procuro é a palavra, a generosidade, o sublime, a superação, a partilha” afirmou, por outro lado.
No seu testemunho, Sidónio Bettencourt falou ainda da sua infância nos Arrifes, da ligação às Lajes do Pico, da experiência como filho de militar e da dor da distância e da saudade, tantas vezes mitigada pela fé.
Referiu também a importância de figuras como o Papa Francisco, que considera um “homem oxigénio, de verticalidade” expressões retomadas pelo conferencista a partir de um texto escrito por uma das filhas, a atriz Carolina Bettencourt, e partilhou o seu olhar sobre as festas religiosas açorianas, como a do Senhor Santo Cristo, onde valoriza a “interioridade e o sentido comunitário”.
As “Conversas na Sacristia” são um projeto da equipa da pastoral da Cultura da Igreja de São José procuram, desde que procuram desde março de 2023, criar um espaço de escuta, acolhimento e diálogo entre fé, cultura e vida contemporânea.
“Deus e vida – espiritualidade e esperança” na próxima Conversa na Sacristia