Dia do Migrante : uma francesa que fez das Flores a sua casa

“A integração é sempre uma dança entre quem chega e quem recebe. Os dois lados têm de se abrir. Se um não o faz, a ligação não funciona.”- Nina Soulimant

Foto: Grupo Cantarilha/Lar da Santa casa da Misericórdia das Lajes

No Dia do Migrante, o  sítio Igreja Açores  foi ao encontro de Nina Soulimant,  uma cidadã francesa que escolheu o ponto mais ocidental da Europa para viver, criar família e construir um projeto de vida profundamente ligado à comunidade local. É animadora cultural e produtora biológica e uma presença ativa na dinamização cultural e social da ilha.

Natural da costa oeste de França, Nina Soulimant nasceu numa pequena freguesia rural com cerca de 300 habitantes. “Venho de um meio muito simples, de campo”, conta. Aos 40 anos, reconhece que essa origem marcou a forma como sempre se sentiu confortável em territórios pequenos, onde a proximidade humana e o ritmo de vida mais calmo fazem parte do quotidiano.

O seu percurso académico levou-a à Universidade de La Rochelle, onde se especializou em Geografia Humana e Ambiente. Foi nesse contexto que chegou, pela primeira vez, à ilha das Flores, em 2009, para desenvolver investigação no âmbito do seu doutoramento. O trabalho incidia sobre a sustentabilidade das pequenas ilhas europeias e a evolução da consciência ambiental das populações insulares.

“Não sabia exatamente que ilha me iria acolher para sempre, mas sabia que iria ficar”, recorda. A ligação às Flores foi-se consolidando, tanto a nível profissional como pessoal. Foi na ilha que conheceu o seu companheiro, natural do Algarve, com quem decidiu construir vida. O casal tem dois filhos, hoje com três e nove anos. Embora tenham nascido no Algarve, cresceram sempre nas Flores, frequentam a escola local e sentem-se plenamente integrados na comunidade. A adaptação não foi difícil.

“Eu procurava simplicidade e um ritmo de vida diferente. Foi uma escolha consciente e foi uma boa escolha”, afirma. A integração aconteceu de forma progressiva e, na sua maioria, de forma muito positiva. Ainda assim, Nina reconhece que nem sempre é um processo linear.

“Há pessoas que nos recebem de braços abertos e nos tratam como florentinos, e há outras que nos verão sempre como estrangeiros”, diz.

Em 2014, essa vontade de participar ativamente na vida da ilha levou-a a fundar a Associação Cultural Reinventar Ilhas. Com experiência anterior em associações culturais em França, Nina quis trazer novas propostas às Flores: concertos, eventos culturais, aulas de yoga, meditação e dança. Algumas iniciativas foram acolhidas com entusiasmo, outras com desconfiança inicial.

“No começo, algumas pessoas viam certas práticas como algo estranho, quase como bruxaria. Mas com o tempo, foi-se criando diálogo.”

Em conjunto com o companheiro, Nina criou também o espaço O Valzinho, na freguesia da Fazenda. Trata-se, antes de tudo, de um projeto agrícola, centrado na recuperação de quintas abandonadas e na transformação de antigas pastagens em pomares e hortas. Produzem frutas e hortícolas e cultivam cerca de quatro mil cafeeiros, estando a desenvolver uma marca própria de café.

Paralelamente, Nina Soulimant manteve durante vários anos um trabalho ativo em associações alimentares e culturais, em cooperação com a Câmara Municipal das Lajes das Flores, juntas de freguesia, professores e outras entidades locais. Nesse contexto, organizou eventos culturais, retiros e iniciativas que contribuíram para uma agenda cultural mais diversificada na ilha.

Atualmente, integra o coro Cantarilha, um grupo com uma longa história nas Flores. Recentemente, o coro realizou uma apresentação no lar de idosos da Santa Casa da Misericórdia das Lajes, depois de um espetáculo preparado para o mercado de Natal ter sido cancelado devido ao mau tempo.

“Foi uma experiência muito bonita, abriu uma porta que esperamos poder repetir”, afirmou.

Sobre a migração, a geógrafa humana reflete com realismo e profundidade.

“A integração é sempre uma dança entre quem chega e quem recebe. Os dois lados têm de se abrir. Se um não o faz, a ligação não funciona” acrescenta, reconhecendo que também existem migrantes que não fazem esforço para aprender a língua ou compreender a cultura local, o que pode gerar resistências.

“A abertura tem de ser mútua” , enfatiza.

Para ultrapassar desconfianças, defende o contacto humano direto: eventos comuns, atividades partilhadas, encontros simples que criem proximidade. Destaca, por exemplo, o papel dos Lions Clube das Flores, que promovem jantares interculturais onde cada pessoa partilha comida do seu país.

Aponta ainda a importância do apoio institucional, nomeadamente aulas gratuitas de português, maior eficiência administrativa e igualdade de acesso aos serviços públicos para as ilhas mais afastadas.

“Processos simples podem demorar anos, e muitas vezes somos obrigados a viajar para outras ilhas ou para o continente, sem qualquer apoio.”

Da parte da Igreja, Nina Soulimant sublinha a relevância do diálogo inter-religioso e de uma linguagem centrada na espiritualidade e no humanismo.

“Mesmo quem não se identifica com uma religião precisa de se reconhecer nos símbolos e na linguagem” prossegue.

A história de Nina Soulimant pode ser ouvida na primeira pessoa no próximo domingo no programa de Rádio igreja Açores, que vai para o ar depois do meio-dia na Antena 1 Açores e no Rádio Clube de Angra. Ficará disponível em podcast aqui em www.igrejaacores.pt .

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