Diocese inicia investigação aos dois nomes de sacerdotes denunciados à Comissão Independente por alegados abusos

Foto: Igreja Açores

Os dois sacerdotes visados “ficarão impedidos do exercício público do ministério até ao final do processo de investigação prévia”

A diocese de Angra informou hoje em comunicado que os dois sacerdotes, que vêm referenciados no relatório da Comissão Independente por suspeita de alegados abuso de menores, vão ficar “impedidos do exercício público do ministério” até ao final do processo de investigação prévia.

“Da lista entregue na passada sexta-feira ao Bispo diocesano pela Comissão Independente constam dois nomes: um sacerdote de São Miguel e outro da ilha Terceira. O bispo diocesano já falou com ambos e, em conjunto acordaram, que os sacerdotes em causa ficarão impedidos do exercício público do ministério até ao final do processo de investigação prévia, que já foi iniciado na Diocese e de acordo com as normas canónicas. Igualmente seguirá a participação ao Ministério Público”,  afirma o comunicado da diocese de Angra.

“Esta decisão não é uma assumpção de culpa dos próprios nem uma condenação por parte do Bispo diocesano. Trata-se de seguir aquilo que o Papa Francisco tem recomendado como norma e prática da Igreja em matéria de abusos, sobretudo depois da publicação do Vade-mécum sobre procedimentos para enfrentar casos de abuso de menores na Igreja” justifica o comunicado da diocese.

De acordo com o relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal foram recebidas denúncias relativas a oito casos de alegados abusos ocorridos em sete concelhos da Região: dois nas Velas e um na Calheta, ilha de São Jorge; um no Faial; um em Angra do Heroísmo e um na Praia da Vitória, na Ilha Terceira;  um no concelho das Lajes e outro em São Roque , ambos na ilha do Pico.

Estes alegados abusos terão sido cometidos entre 1973 e 2004, por pessoas diferentes, quatro delas- 3 sacerdotes e um leigo- já faleceram. Importa esclarecer que, dos quatro restantes alegados abusos, dois não foram considerados casos relevantes pela Comissão Independente ao cruzar dados entre as denuncias feitas à Comissão e a investigação histórica aos arquivos da diocese, que ocorreu no final de mês de janeiro de 2023, esclarece ainda o comunicado da diocese insular.

“Depois da vergonha e do escândalo que a revelação da existência de abusos provocaram junto da sociedade, em geral, e dos cristãos em particular, é tempo de ação. A todos os que se sentem feridos, confusos ou perdidos, apelamos a que confiem que tudo se fará para implementar medidas punitivas onde necessário, mas também preventivas e formativas, que contribuam para devolver a confiança e a esperança a todos os cristãos. Igualmente se apela a todos os padres que sofrem pelas falhas de outros, para que continuem a ser presença do Bom Mestre que dá a vida pelos seus, junto das suas comunidades. Só a Verdade que é Cristo nos manterá vivos e livres” lê-se ainda.

A diocese de Angra reafirma que a “ prioridade da Igreja deve continuar a ser as vítimas, que durante anos sofreram em silêncio aquilo que nenhum de nós poderia ter feito ou sequer ocultado, garantindo-lhes o direito à justiça e ao cuidado, sem enjeitar meios técnicos, humanos e financeiros para a reparação do mal infligido”, mesmo cientes de que a perceção sobre a gravidade deste crime “hoje é muito diferente do que era no passado”.

“Estes abusos nunca poderiam ter acontecido na Igreja. Pedir perdão é pouco”, refere o comunicado reiterando uma expressão utilizada pelo bispo, D. Armando Esteves, no dia 13 de fevereiro, dia em que foi tronado público o relatório.

“A diocese de Angra tudo fará para que os abusos não tenham mais lugar. A Igreja não pode sequer tentar esconder a tragédia dos abusos. Agiremos com tolerância zero para com os abusadores e disponibilizamo-nos para acolher, escutar e reparar a vida de todos os que foram abusados, sejam os que já denunciaram seja os que no seu silêncio e vergonha continuam a sofrer sozinhos”, afirma o comunicado onde se lê, igualmente, que a Comissão Diocesana, uma das primeiras a serem constituídas no país, pelo então bispo de Angra, D. João Lavrador, e que durante 3 anos não recebeu qualquer denúncia, deixou de contar com a presença de clérigos.

“Esta comissão, agora renovada, composta apenas por leigos, especialistas em várias áreas sociais, terapêuticas e jurídicas continuará a fazer o seu trabalho de forma ainda mais empenhada, garantindo o sigilo que situações desta delicadeza exigem” refere o comunicado.

O comunicado esclarece ainda que esta Comissão Diocesana, depois da apresentação do relatório pela Comissão Independente, já recebeu uma nova denúncia, que envolve um sacerdote de São Miguel já falecido. Um membro da referida Comissão “encontrou-se já com a vítima e disponibilizou o apoio da diocese para prosseguir este caminho de recuperação.”

“Aos que ainda não tiveram coragem para denunciar ou preferiram não dar voz ao seu silêncio renovamos a nossa disponibilidade para os escutar. Não estão sozinhos” garante o comunicado da diocese que adianta por fim “um empenho na definição de políticas robustas bem como a cooperação com todas as entidades que trabalham no terreno na luta contra os abusos de menores e pessoas vulneráveis de forma a erradicarmos este problema sistémico das nossas sociedades”.

O relatório da Comissão Independente foi analisado na passada sexta-feira pelos bispos portugueses na Assembleia Extraordinária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) , durante a qual foi entregue uma  lista de “alegados abusadores”. Em conferência de imprensa, D. José Ornelas, presidente da CEP, informou que as listas foram entregues a “cada diocese”, a quem compete dar início aos respetivos processos e analisar “as medidas apropriadas a tomar”.

O Vaticano disponibiliza desde 2020 um “vade-mécum” para ajudar os bispos e responsáveis de institutos religiosos no tratamento de denúncias de abusos sexuais de menores.

O documento preparado pelo Dicastério para a Doutrina da Fé (DDF) surgiu depois dos pedidos feitos durante a cimeira para a proteção de menores, que o Papa promoveu de 21 a 24 de fevereiro de 2019, no Vaticano.

O DDF propõe aos responsáveis católicos um “manual” para “casos de abusos sexuais de menores cometidos por clérigos”, visando processos que envolvam bispos, padres e diáconos, de forma a uniformizar os procedimentos e estabelecer regras comuns, em vez de orientações.

O guia em 164 pontos, disponível online desde 2022, explica os procedimentos a seguir, desde a denúncia à conclusão da causa, falando numa “ferida profunda e dolorosa que pede para ser curada”.

As diretrizes da Conferência Episcopal Portuguesa para estes casos, datadas de 2020, sublinham que o bispo responsável deve dar seguimento a denúncias e à possível investigação prévia.

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