Diretor do Serviço Diocesano da Coordenação Pastoral destaca força evangelizadora da piedade popular como sinal de esperança viva na fé cristã

Padre Jacob Vasconcelos foi o orador do VII Diálogo no Tempo, que decorreu esta quarta-feira à noite no Santuário do Senhor Bom Jesus Milagroso, no Pico

Foto: Igreja Açores/JABN

Num tempo em que muitos questionam a presença da fé nas sociedades modernas, renasce a esperança através da força evangelizadora da piedade popular. Numa reflexão profunda e enraizada na tradição católica, o padre Jacob Vasconcelos afirmou que esta expressão de fé “é como uma `torcida que ainda fumega´ e que longe de se apagar, tem um potencial de conversão e evangelização ainda por explorar”.

“Isto não acontece com um simples estralar de dedos, como se de magia se tratasse, mas há caminhos feitos e outros por percorrer para valorizarmos e aproveitarmos mais e melhor esta força evangelizadora, por vezes negligenciada”, afirmou o sacerdote, que é pároco em Santa Bárbara e é o diretor do Serviço Diocesano da Coordenação Pastoral.

Esta posição, retirada a partir da sua própria experiência, mas sustentada pela tradição e pelo Magistério da Igreja, assente nos documentos do Magistérios e nas palavras e gestos dos Papas, depois do Concílio Vaticano II, levou o sacerdote a reforçar a ideia de que a piedade popular não deve ser menosprezada, mas valorizada como instrumento vivo de missão.

A Constituição Sacrosanctum Concilium e documentos papais de São Paulo VI a Francisco, passando pelos Papas João Paulo I, João Paulo II e Bento XVI,  reiteram a importância destas “expressões simples e autênticas” do povo crente, defendeu ainda o sacerdote, que recordou alguns pronunciamentos dos sumos pontífices a partir do Concílio Vaticano II.

O Papa João Paulo II, por exemplo, considerava a piedade popular um “tesouro do povo de Deus” e via nela um antídoto contra as seitas. Já Bento XVI e Francisco destacaram-na como força imunitária da Igreja e expressão do Evangelho inculturado.

Nos Açores, os sinais de vitalidade desta fé manifestam-se em diversos momentos, como as Romarias Quaresmais, as Festas do Divino Espírito Santo e as festas dos vários santuários diocesanos, como o Senhor Santo Cristo dos Milagres, que “agregam multidões” e “reacendem” a oração comunitária.

A história dos últimos bispos da Diocese de Angra “evidencia o apoio a estas manifestações concretas de fé”,  que se expressam na vivência do povo açoriano, com calendários e ritmos próprios, afirmou, por outro lado, o sacerdote.

Desde a valorização das romarias por D. Manuel Afonso de Carvalho, que fez o primeiro regulamento das Romarias Quaresmais, até aos gestos de presença constante de D. Armando Domingues, de que a recente elevação da Ermida de Nossa Senhora da Paz a santuário diocesano reflete, são prova do reconhecimento institucional à piedade popular.

O sacerdote não ignorou alguns desacertos históricos no relacionamento entre a hierarquia da Igreja e o povo, como foi o caso em torno do Espírito Santo entre o bispo D. Manuel Afonso de Carvalho e as Irmandades, mas afirma que, no geral e no particular, há o reconhecimento da importância da piedade popular e a necessidade sentida pelos sucessivos prelados de aproveitar a sua vivência como momento de evangelização. Aliás, a elevação de algumas igrejas a Santuários diocesanos são a expressão desse reconhecimento, segundo o sacerdote, que destacou também os “lugares e sinais de esperança” que a piedade popular “nos dá” no arquipélago.

O facto de “aglomerar pessoas”, num tempo “marcado pelo individualismo”; de despertar a atenção e cativar os jovens- “basta pensar na quantidade de romeiros jovens e na quantidade de peregrinos que vemos pelas estradas das nossas ilhas por ocasião das festas que despertam peregrinações”-; de incentivar “a oração e a partilha fraterna”, são sinais de esperança.

“A piedade popular está muito ligada a situações que tocam muito o nosso ser de criaturas e despertam-nos para o sentido de finitude (ex: morte, doença, catástrofes naturais) o que pode favorecer a pergunta pelo Criador e gerar aproximação d’Ele, que é a nossa verdadeira e derradeira Esperança” afirmou o conferencista exemplificando com as festas do Divino Espírito Santo, Romarias Quaresmais e as Peregrinações aos Santuários diocesanos.

“As Festas cristológicas têm a virtude de nos chamar a atenção para Aquele que é, verdadeiramente, a nossa esperança, e de fixarmos os olhos em «Jesus, autor e consumador da nossa fé»”, afirmou.

“Os nossos santuários e as nossas festas cristalológicas estão marcadas por uma forte ligação à Paixão de Jesus. Longe de ver isso como um facto entristecedor, devemos encará-lo como uma oportunidade de esperança, para fazermos a ligação entre as dores de Cristo e as nossas dores”, explicou ainda, tendo falado igualmente da devoção mariana na diocese, dos tríduos, septenários, novenários e festas, “uma oportunidade de fazer retiros a céu aberto”, classificou.

“É um sinal de esperança que existam tríduos, septenários, novenários, festas e procissões com procura dos fiéis. No entanto, é um desespero se não forem bem valorizados como vias de evangelização. Corremos o sério risco de estar a desperdiçar oportunidades”

“Acolher, respeitar, acompanhar, catequizar e evangelizar” são, segundo o padre Jacob Vasconcelos atitudes que a Igreja deve promover, porque embora haja “potencial evangelizador “ e “reconhecimento desse potencial”, também existem “sombras que carecem de luz”: rituais desligados da vida sacramental, exageros devocionais e riscos de superstição.

“A presença insuficiente de elementos essenciais da fé cristã, como o significado salvífico da Ressurreição de Cristo, o sentido de pertença à Igreja, a pessoa e a ação do Espírito, a desproporção entre a estima pelo culto dos santos e a consciência da soberania absoluta de Jesus e do Seu mistério; o escasso contato direto com a Sagrada Escritura; o isolamento da vida sacramental da Igreja; a tendência para separar o momento cultual dos compromissos da vida cristã; a concepção utilitarista de algumas formas de piedade; a utilização de sinais, gestos e fórmulas que, por vezes, ganham uma importância exagerada, chegando até à busca do espetacular; o risco, em casos extremos, de favorecer a entrada de seitas e, mesmo, de conduzir à superstição, à magia, ao fatalismo ou à opressão”, são alguns “perigos” que o sacerdote enumera a partir dos documentos do magistério.

Por isso, conclui:  “A piedade popular pode e deve ser evangelizada. Há que saber tirar proveito dos momentos que temos para estarmos com as pessoas para lhes falar de Jesus. Com palavras mas sobretudo com os nossos gestos” afirmou o padre Jacob Vasconcelos.

E se é verdade que o mundo de hoje clama por sentido, talvez seja na simplicidade de uma promessa ou no silêncio de uma peregrinação que muitos encontrem, afinal, a esperança que não desilude.

“Assim foi a ação do Mestre, em palavras e obras. Assim deve ser a nossa ação, pois o caminho do Mestre é o caminho do discípulo. Assim evangelizaremos não só a piedade popular mas o mundo em que estamos presentes que, no meio das suas alegrias e contrariedades, procura um sentido para a sua vida que só se pode encontrar, definitivamente, em Cristo, nossa Esperança”, concluiu o sacerdote.

O VII Diálogo no Tempo foi aberto pelo ouvidor eclesiástico do Pico, cónego João António Bettencourt das Neves.

A série “Diálogos no Tempo” é uma iniciativa do Grupo Coordenador do Jubileu Diocesano, desenvolvido pelo Instituto Católico de Cultura, que tem procurado promover o diálogo entre a fé e a cultura, procurando aproveitar as evocações que a Igreja Católica faz mensalmente.

As próximas sessões de ‘Diálogos no Tempo’ são na ‘Aldeia da Esperança’, iniciativa da pastoral juvenil, em São Jorge (julho); no Estabelecimento Prisional de Angra do Heroísmo (setembro); ilha das Flores (outubro); Horta (novembro); e uma tertúlia no Santuário de Nossa Senhora da Conceição (dezembro).

Todos os eventos são de entrada livre, com exceção do encontro no Estabelecimento Prisional de Angra do Heroísmo, no mês de setembro.

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