Pelo padre José Júlio Rocha
O conclave é secreto. Mas algumas coisas vão transparecendo. Consta que, ao fim da terceira votação, três cardeais usufruíam de votos consideráveis: Prevost, Parolin e Erdö. Prevost, o outsider, americano com vários anos de serviço no Perú, era querido por muitos cardeais; Parolin, o eterno braço direito de Francisco, era preferido pelos que queriam continuar a linha do Papa falecido; Erdö, arcebispo de Budapeste, recolhia os votos mais conservadores. Prevost e Parolin dividiam os votos mais progressistas.
Estava-se, ao que parece, num impasse, até que – também ao que parece – Parolin terá dado a entender pelos corredores que pretendia que os seus votos, na votação seguinte, fossem para Prevost. Sentado no seu lugar, ao lado de Luis Antonio Tagle, o Filipino também Papabile, que lhe terá oferecido um caramelo, Prevost escutava repetidamente o seu nome com as mãos a apoiar a testa. Quando o nome foi pronunciado 89 vezes, os cardeais levantaram-se numa ovação a aplaudir o novo Pontífice, lágrimas nos olhos, emoção na Capela Sistina. Prevost, esse, ficou sentado, atordoado, a sentir o peso da missão sobre os ombros, ainda sem saber bem o que lhe estava a acontecer. Ao que parece, foi um colega cardeal que se aproximou e o ajudou a levantar-se. Estava escolhido o novo príncipe da paz.
Nascido nos bairros operários do sul de Chicago, filho de Milred Martinez e Louis Prevost, profundamente empenhados na paróquia da Senhora da Assunção, Robert teve uma infância marcada pela fé. Cursou matemática, mas queria ser padre e entrou para a ordem Agostiniana. Viveu mais de vinte anos no Perú, oito como bispo. Prevost tem dupla nacionalidade, de forma que tanto os Estados Unidos como o Perú exultaram.
Julgo que a primeira missão que Leão XIV se impõe a si mesmo é a paz. Desde a saudação inicial até às últimas palavras na Loggia da Basílica de São Pedro, Leão XIV proferiu a palavra “paz” dez vezes, referindo-a como “desarmada e desarmante”, o que faz recordar figuras da não violência ativa, como Mahatma Ghandi, Nelson Mandela, Martin Luther King, Teresa de Calcutá. Aqui, Leão XIV seguirá o trilho de Francisco, eventualmente menos exuberante e mais mexendo os cordelinhos da diplomacia. A guerra é o grande fracasso da humanidade e já ouvimos Leão XIV dizer que não há guerras inevitáveis.
“In Illo uno unum” (a melhor tradução talvez seja “Num só Cristo somos um”) é o lema do brasão do Papa. Francisco foi um tsunami, uma voz única, um carisma inquestionável, um reformador, o Papa da Igreja em saída, de todos, todos, todos. Tudo isso teve um preço e a Igreja, de algum modo, sofreu na sua unidade. Acredito que Leão XIV terá uma visão mais conciliadora, olhando para as feridas na Igreja e procurando congregar a todos na paz. Mas há de tudo nesta Igreja de Deus: uma fação ultramontana considera que este Papa não é Papa porque foi eleito por cardeais criados por Francisco, que eles odeiam e consideram anti-papa e, portanto, todos os atos de Francisco foram inválidos. A esta gente, eu proporia a Leão XIV que os mandasse criar uma seita só para eles e os seus eflúvios esquizofrénicos.
Confesso que, nos primeiros vinte segundos após o nome, fiquei perplexo com Leão. Pareceu-me um nome agressivo ou qualquer coisa do género. Mas bastaram-me esses vinte segundos para pensar em Leão XIII, o grande Papa da viragem do século XIX, o homem da Doutrina Social da Igreja que escreveu uma das encíclicas verdadeiramente notáveis: a “Rerum Novarum”. Condenando os extremismos, a encíclica colocava o dedo na ferida sobre a Questão Operária e delimitava definitivamente o papel da Igreja ao lado dos mais pobres. Leão XIV já veio a público confirmar esta filiação do seu nome, apontando para amanhã, para os progressos das novas tecnologias e da inteligência artificial, com todos os problemas – também sociais – que o futuro nos trará.
Já vi muitas pessoas torcerem o nariz pelo facto de ele ser natural dos Estados Unidos: só faltava mais esta, uma grotesca escolha dos cardeais para agradar a Trump, os Estados Unidos têm tudo, para quê um Papa americano, a Igreja americana é muito conservadora e elitista, esperávamos um africano ou asiático, vai defender Trump, etc. São reações nitidamente exageradas. Para já, os Estados Unidos são um país extraordinário que, graças a Deus, não se resume a Trump. Tomemos então como exemplo Laura Loomer, uma das jornalistas de confiança do presidente americano, que escreveu isto de Leão XIV: “Ele é anti-Trump, anti-MAGA, pró-fronteiras abertas e um marxista completo como o Papa Francisco. Os católicos não têm nada de bom para esperar. Só mais um fantoche marxista no Vaticano.” E isto deixa-me bastante descansado. Leão XIV viveu a maior parte do seu sacerdócio no remoto norte do Perú, junto da gente simples das montanhas de Chiclayo, e, nesse aspeto, não tenho dúvidas de que fará continuidade com Francisco. Quanto ao paranoico presidente dos EUA, estou sobejamente descansado: está nos antípodas de Leão XIV. E dos seus sapatos.