E que tal se pensássemos?

Foto: Igreja Açores / José Cabral

Pelo padre José Júlio Rocha

Acabo de ir aos Correios de Angra e, como oitenta por cento dos utentes daquela instituição, fui levantar os restos de uma passagem aérea Terceira-Lisboa-Terceira, na SATA e na TAP respetivamente, o que me granjeou a módica quantia de 793 euros, o que, somado aos 134 da passagem dos residentes nos Açores, atinge 927 euros, mais coisa, menos coisa. Julgo que, sem essas manigâncias todas, conseguia uma passagem para Tóquio ou o Hawai por um preço bem mais módico, o que diz tudo sobre esta política de esvaziar para o sumidouro das nossas companhias aéreas o dinheiro dos contribuintes. Um bilhete de 900 euros para Lisboa é, simplesmente, um crime económico. Aproveitam-se e nós pagamos, se não no imediato, a médio prazo, nas nossas algibeiras.

Despachei-me cedo, coisa rara nos Correios, sobrecarregados com essa massiva missiva de retribuir aos residentes o remanescente das suas passagens. Disse-me o senhor do balcão que, nos meses de Verão, só os correios de Angra movimentam cerca de dois milhões por mês em restituição de dinheiro de viagens de avião. Só o balcão da Rua do Palácio… imaginem o resto! As nossas Companhias estão a “chupar-nos” para o sumidoiro onde se enterraram…

Pelo caminho, fui tomar um café mesmo ali ao lado. O espaço quase cheio. Chegavam e partiam pessoas. Mulheres vestidas de calças de licra, cabelos feiamente pintados de louro e linguagem imprópria; homens de ganga suja e “t-sirts” roçadas, caras gretadas e tumefactas do álcool e das drogas, gente desprezada, por vezes desprezível, calão, algumas discussões pelo caminho e pelos cafés, um ambiente incómodo. “A escumalha desceu à cidade”, oiço eu, de uma mesa ao lado onde estão sentados três homens, abancados e críticos, a respeito daquela gente que desce dos bairros sociais que cercam Angra para nos incomodar. “É o dia do Rendimento” afirma um. “Não. É dia do Abono”, grunha outro. E, com tudo isto, vou eu observando a procissão dos desvalidos, dos excluídos, dos “mal-educados”, dos restos nefastos da nossa sociedade, sujos, exageradamente pobres, gritando em vez de falar, dando à cidade aquele aspeto terceiro-mundista e desalastrado que, às vezes, sobretudo no início do mês, acontece.

“Vêm levantar o nosso dinheiro!” “Não fazem nada e chupam o que é nosso.” “Chulos. Governo fraco. Todos os governos são fracos”. E por aí fora. As bermas das estradas cheias de monda, tanta coisa por fazer e Governo a pagar a esses malandros com o nosso dinheiro para eles não fazerem nada. Chega disso tudo…

E eu com os 793 euros que recebi do Governo, aquilo que o governo pagou às Companhias aéreas…

Quis fazer contas de cabeça. O que é que os sucessivos governos dos Açores têm contribuído, à sombra do princípio da subsidiariedade, isto é, que subsídios são mais dispendiosos para o Governo e, consequentemente, para os nossos bolsos. É o Rendimento Social de Inserção? Não. Alguns dos nossos políticos e pessoas de opinião estão revoltados com o RSI, uma forma de manter a “malandrice”, que tira o dinheiro dos nossos bolsos. E eu pergunto-me se essa gente já chegou á conclusão que a verba gasta para o RSI é uma parcela mínima daquilo que os sucessivos governos têm gasto em matéria de subsídios. Já nos demos conta que as empresas dos Açores, principalmente as mais poderosas, recebem do Governo muito mais do que o total gasto no RSI? Já perceberam que o que os governos despendem no RSI é uma minimíssima parte do que o que gastam em subsidiar empresas falidas, empresas gigantes, empresas prósperas, grupos económicos e muitos ricos? Não tenham dúvidas: os ricos recebem muito mais subsídios do que os pobres. Não tenhamos dúvidas: esta é uma verdade “a la Palice” que teimamos, em nome de uma justiça estúpida, negar.

Um estudo, publicado no Expresso de 11 de Agosto desta ano, denuncia algumas verdades acerca da nossa pobreza, aquela pobreza essencialmente psicológica de que nós não queremos falar, porque gostamos essencialmente dos nossos pobrezinhos silenciosos que, por muito que trabalhem, não têm com que dar de comer aos filhos. O pobre de hoje é uma pessoa deprimida. A depressão e a angústia tomou conta da sua vida. Ter nascido num ambiente adverso, por vezes violento, a ansiedade de precisar e não ter, o ter de furar para sobreviver, o ser vítima de carência, fome, violência e exclusão é um estigma que separa brutalmente o pobre do cidadão comum. O pobre não o é só economicamente. É-o pessoalmente, quando vive a violência do não ter nada. É-o socialmente, quando é excluído e etiquetado com todas as etiquetas. É-o psicologicamente, quando a pobreza, a carência, a ausência de afeto ou dignidade são causadoras de psicoses sociais e outras psicopatias.

Não são os pobres que nos tiram o dinheiro dos bolsos. São os ricos.

A fome dos pobres não nos afeta nada, comparada com a ganância dos ricos. Isto não é utopia. É justiça.

*Este texto foi publicado na edição desta sexta-feira do Diário Insular, na rubrica Rua do Palácio.

Scroll to Top