Empecilhos … ou a única forma de garantir o futuro?

Foto: Igreja Açores/GM

Por Carmo Rodeia

O nível de pobreza das crianças e dos jovens, apesar de ter descido 1,9% em 2022, mantém-se ainda acima do valor conjunto nacional (16,4%), revelando a vulnerabilidade destes dois grupos etários às diferentes dimensões do problema da pobreza.

A situação das crianças e jovens subsiste como um fator de forte preocupação social, com uma incidência da pobreza que é superior em dois pontos percentuais à média nacional.

A conclusão é de um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos que volta a concluir este ano que, da análise à incidência da pobreza por tipo de família chega-se, uma vez mais à conclusão, de que os núcleos familiares mais vulneráveis à pobreza monetária são os mais numerosos, aqueles que têm mais filhos, isto é, com três ou mais filhos.

As famílias monoparentais e as famílias com três ou mais crianças dependentes apresentam as taxas de pobreza mais elevadas (28,0% e 22,7%, respetivamente) apesar de este último grupo ter registado um decréscimo muito significativo desta taxa. Os dados do ICOR 2022 confirmam assim que, apesar da melhoria registada, estes dois grupos permanecem como as famílias mais vulneráveis às situações de pobreza.

A este propósito, e por causa de um outro estudo, ouvi no fim-de-semana passado uma comentadora, especialista em questões económicas e co-autora desse estudo, dizer que as crianças, leiam-se os filhos, são factores de empobrecimento de uma família. Percebo o raciocínio porque tenho três filhos; sou a terceira de três irmãos e, no meu círculo familiar mais alargado três tem sido a “conta que Deus fez”. Naturalmente que ter três filhos e a todos proporcionar as mesmas condições de educação, de formação e de vida é mais difícil do que só com um ou só com dois, assim como com quatro é pior do que com três. Mas sempre foi assim e as famílias sempre tiveram muitos filhos e todos cresceram e foram vivendo as suas vidas.

É um facto que as mulheres hoje trabalham e não podem prescindir de o fazer para cuidar dos filhos; é inegável que os filhos hoje crescem sem o acompanhamento dos avós que também trabalham e se aposentam mais tarde; é um facto que não há creches para todos e a vida exige que os dois progenitores trabalhem; é claro que o velho ditado de que panela que dá de comer a três dá de comer cinco ou mais não é verdadeiro; é um facto que as mulheres muitas vezes prescindem de ter filhos porque querem singrar na carreira profissional e os filhos podem ser um entrave porque as empresas não estão preparadas; que não há dinheiro para casas com muitos filhos pois a habitação custa couro e cabelo… e hão de ser factuais todos os argumentos que encontrarmos para justificar duas coisas: que os filhos saem caro e que por isso, e por tudo o resto, as famílias optam por ter menos filhos, algumas até, nem ter filhos de todo. Pensar nos filhos como um factor de empobrecimento é de facto um argumento daqueles que nos fazem pensar sobretudo nas políticas públicas de apoio à natalidade e à família. E, sobre isto, o que dizem os políticos?

Prioridade à família, mas onde estão os apoios para as famílias?

Prioridade à natalidade, que incentivos existem?

Prioridade às crianças, mas onde estão as medidas para as promover?

Este fim-de-semana visitei o meu filho mais velho. No Luxemburgo, os filhos significam apoios suplementares para os pais seja em termos de abonos e de apoios seja em termos de regalias contributivas para efeitos de reforma, com um verdadeiro incentivo à natalidade, no pressuposto de um verdadeiro encorajamento das famílias a terem mais filhos. Lá mais filhos não pressupõe a ideia de  empobrecimento mas sim de estímulo.

Este fim de semana, assinala-se em Roma a Primeira Jornada Mundial das Crianças. Na origem desta jornada está a intenção do Papa chamar a atenção para o facto de haver milhões e milhões de crianças sem direito a viver a sua condição de forma digna: porque são violentadas, escravizadas ou obrigadas a combater em nome dos adultos que decidem a guerra. Outras morrem à fome ou são obrigadas a mendigar por um prato de farinha e um copo de água. Curiosamente, é nestes lugares desalentados que continuam a morrer mas também a nascer mais crianças.

Lembro-me em miúda de uma família que existia em Beringel, lugar onde nasci. Brincava com a filha mais nova na rua, onde sempre gostei de partilhar brincadeiras. De vez em quando a “Luisinha” vinha à minha casa comer e eu ia à dela. A mãe fazia a açorda mais saborosa das redondezas. Ainda hoje tenho o gosto desses coentros mergulhados na água com sabor a bacalhau e a pescada. Nunca vinha qualquer posta no prato. Não viviam com dificuldades mas também não tinham abundância como se pode ver pelas açordas mas eram felizes e todos eles hoje são pessoas de bem: honestos, todos licenciados, todos com os seus empregos e já com as suas famílias. Aliás, passaram algumas necessidades mas não ficaram privados do essencial, porque o pouco que havia era partilhado com os da casa e com os de fora, que se tornavam da casa. Das roupas aos brinquedos passando pelos livros que todos partilhávamos. Não viajavam para o estrangeiro? Não. Não tinham roupas de marca? Também não e as que tinham eram partilhadas de uns para os outros. Nem sequer telemóvel, porque na altura também não os havia. A televisão não era um plasma a ocupar a parede da sala e o computador existente tinha de ser partilhado por todos porque ninguém tinha um tablet só para si. Aprendi bem com eles esta ideia da partilha e sobretudo o evangelho da caridade. Todos se ajudavam porque todos queriam ser parte ativa na construção da família.

Não precisaremos de ir para fora do país para vermos como há tantos com tão pouco. E não é por serem membros de famílias grandes… Ou poucos com tanto e tão pouca disponibilidade para serem mais. Quando o pouco que temos é partilhado, a vida torna-se mais fácil. Quando se pensa no coletivo e não apenas no nosso umbigo, a escassez pode transformar-se em abundância. Quando a família pesa mais do que o indivíduo, as soluções aparecem. Quando há vontade e ideais não precisamos de muito mais do que um empurrão. Talvez os governos pudessem pensar em premiar esta disponibilidade e tomar a família e a natalidade numa verdadeira prioridade. Inclui-las nos seus programas e no discurso já não era mau de todo.

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