Especialista em história da Igreja sublinha “importância estrutural de Niceia” para o desenvolvimento da Igreja

O cónego Adriano Borges defendeu que “há um antes e um depois de Niceia” para a afirmação do Cristianismo

Foto: Igreja Açores

O Concílio de Niceia, o primeiro ecuménico na história da Igreja, foi “crucial” para a afirmação do Cristianismo, afirmou esta noite em Angra, o cónego Adriano Borges, na primeira conferência do 62º Encontro Nacional de Secretariados Diocesanos da Catequese, que decorre no Seminário Episcopal de Angra.

Até Niceia, e em todas as grandes reuniões da igreja primitiva, o fiel da balança era a Sagrada Escritura. A partir deste momento passamos a ver que os vários concílios vão olhar para Niceia para decretar quem está ou não de acordo com a fé da Igreja”, afirmou o sacerdote, licenciado em História pela Pontifícia Universidade Gregoriana.

Na conferência subordinada ao tema “O Concílio de Niceia: Contexto histórico no Oriente e no Ocidente. Antecedentes e consequências”, o conferencista começou por apresentar a complexidade do contexto da vida há 1700 anos, percorrendo as circunstâncias “geográfica, política, económica, religiosa e linguística”, até ao modo como o Cristianismo primitivo “ainda era insipiente e disperso pelo império”. Mas as perseguições aos primeiros cristãos até podem ter sido “vantajosas” para a transmissão da fé, admitiu. A itinerância provocada pelo medo “levou a fé cristã a muitos lugares” , constatou o especialista, que sublinhou, por outro lado, a consciência por parte do Imperador Constantino da importância da religião e sobretudo  do seu poder unificador.

“Constantino, que convocou muitas guerras queria um império, uma religião, um Deus e cedo percebeu que a unificação do império seria conseguida através da fé” afirmou o cónego Adriano Borges.

O sacerdote destacou, assim, Niceia como o lugar onde, pela primeira vez, “se institui uma base, um critério, uma formulação”, a que hoje “chamamos Credo”.

“Penso que os padres conciliares estariam bem longe de imaginar que as decisões deste concílio influenciariam a Igreja até aos nossos dias. Niceia marcou o início de uma igreja mais estruturada e unificada, mostrando o modo como a religião, a sociedade, e a cultura se relacionam e avançam”, desenvolveu.

Recusando uma leitura “simplista” na construção das verdades dogmáticas, o sacerdote lembrou o processo de evolução crente do Judaísmo e estabeleceu o paralelismo com o Cristianismo.

Quando pensamos no judaísmo vemos que no início foi politeísta, sincretista, henoteísta e depois monoteísta. Também o cristianismo demorou tempo a perceber o seu monoteísmo e a entender Jesus como o seu Senhor, o seu Cristo”, afirmou.

“Continuam a existir divergências sobre ele, mesmo em zonas cristãs” seja na forma seja no modo de o viver, disse ainda lembrando que a  Igreja “é um corpo que tem dois pulmões e para ser saudável precisa de ter esses dois pulmões. Infelizmente, 1700 anos depois ainda continuamos cada um preso ao seu pulmão”.

“Unidade não significa unicidade e esta é a grande lição da história da Igreja que o Concílio de Niceia também veio sedimentar”, disse ainda.

A “sinodalidade”, que o Papa Francisco introduziu e aprofundou no seu pontificado ao convocar o Sínodo sobre sinodalidade, é “património cristão” e deve ser trazido à atualidade de modo que “possamos fazer caminho juntos”, referiu, por outro lado.

“Sabemos que as nossas formulações estarão sempre aquém do que é Deus mas, em conjunto, na diversidade das opiniões e das formulações, na consciência de uma irmandade que a todos une poderemos percorrer um caminho que transforma o curso da história”, afirmou.

No final da reflexão o cónego Adriano Borges lembrou que a formulação filosófica do Credo é hoje “difícil, quase incompreensível, para a maioria dos cristãos”, e propôs uma formulação que, no “respeito pela fé comum”, seja “pessoal e narre o bem que Deus fez na vida de cada um”.

“Gostaria muito que a nossa igreja, e a catequese do futuro, apresentassem um credo como o credo judaico. Um credo narrativo, que descreve as graças que Deus concedeu ao povo. Um Credo que narre a história de Deus na vida de cada um, sem formulas mas num verdadeiro diálogo com o criador”, desafiou, antecipando já aquela que será a dinâmica do trabalho de grupo previsto para este sábado, que convoca a catequese a ser um laboratório de revisitação do Credo.

O Concílio I de Niceia é o primeiro Concílio Ecuménico, já que nele participaram bispos de todas as regiões onde havia cristãos. Teve lugar quando a Igreja já tinha conseguido a estabilidade da paz e dispunha de liberdade para reunir-se abertamente. Aconteceu de 20 de maio a 25 de julho de 325. Nele participaram alguns bispos que ainda tinham no seu corpo os sinais dos castigos que tinham sofrido por serem fiéis nas perseguições, que eram recentes.

O objetivo principal era resolver a controvérsia sobre a natureza divina de Jesus Cristo, especialmente a heresia do arianismo, que negava a divindade plena de Jesus. O Concílio acontece num contexto de reorganização do Cristianismo após sua legalização pelo Édito de Milão, tendo surgido várias dissensões consideradas heresias e era preciso regressar à essência. Os padres conciliares decidiram redigir, baseados no Credo batismal da Igreja de Cesareia, um símbolo de fé que fosse o reflexo, de forma sintética e clara, da confissão genuína da fé recebida e admitida pelos cristãos desde as origens, tendo sido fundamental para estabelecer a teologia trinitária, consolidar a doutrina e reforçar a organização eclesiástica. O Primeiro Concílio de Niceia condenou o arianismo, declarou Cristo consubstancial ao Pai e definiu a data da Páscoa. Mais tarde,  o segundo Concílio de Niceia defendeu o uso de imagens como representações legítimas e restaurou a ortodoxia.

O segundo dia do 62º Encontro Nacional de Secretariados Diocesanos da Catequese prossegue esta sexta-feira com mais duas conferências sobre as implicações do credo na perspetiva teológico-filosófica e pastoral. De tarde, os dirigentes vão desenvolver trabalhos práticos.

Encontro dos Secretariados Diocesanos da catequese aprofunda conhecimento do Concílio de Niceia

 

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