Estado deve garantir maior justiça social e redistribuição da riqueza

A ideia é de Diogo Cymbron, membro do Serviço Diocesano de apoio à Pastoral Social e Mobilidade Humana. Esta sexta feira promove as Jornadas de Outono com vista à definição de caminhos para a erradicação da pobreza.

Portal da Diocese (PD)-  Amanhã realiza-se mais uma jornada da pastoral social e da mobilidade humana sobre as Novas estratégias para o combate e erradicação da pobreza. O que esperam alcançar com estas jornadas?

Digo Cymbron (DC)– Com estas jornadas pretendemos dar um contributo para a definição de estratégias para debelar este problema que nos afeta de um modo muito acutilante. Neste sentido, a presença de instituições ligadas à Igreja, tais como IPSS, Misericórdias e movimentos, será muito importante, na medida em que têm uma ação no terreno e conhecem de perto a realidade do dia a dia. Por outro lado, apela-se à participação da população em geral, no Encontro que será realizado na sexta feira às 20h30, na Biblioteca Púbica de Ponta Delgada, onde se pretende refletir sobre  novos caminhos possíveis, para um combate estrutural à pobreza.

 

PD- Estas são as segundas jornadas. As primeiras aconteceram na primavera. Que salto qualitativo foi dado na ação socio-caritativa da igreja dos Açores?

DC- O acontecimento em si é o inicio de um caminho que estamos a percorrer – não é pois expectável uma melhoria mensurável e imediata na ação sócio caritativa da Igreja nos Açores. No entanto, abriram-se portas a uma reflexão profunda sobre o papel ativo dos católicos, no combate às causas da crise que nos assola, numa abordagem que deverá ser mantida/alargada pela Pastoral Social.

 

PD- Uma ideia que fica é que no tempo que vivemos se não fosse esta ação sócio caritativa que está no terreno e o conhece como poucos,  as situações de exclusão e de pobreza ainda eram maiores. Concorda com esta ideia?

DC- Efetivamente, tem havido um grande esforço por parte dos movimentos da igreja em congregar esforços no sentido de amenizar o sofrimento de muitas famílias que passam por momentos muito difíceis. O conhecimento profundo da realidade sócio económica destes movimentos é um aspeto determinante na eficácia da sua ação, uma vez que permite-lhes direcionar a ajuda para os mais necessitados. Este conhecimento também tem permitido a realização de um trabalho de levantamento no terreno das situações mais urgentes, de modo a articular a ação dos diversos movimentos.

 

PD- No final da década de 90 houve um pouco a ideia que era preciso acabar com a caridade e passar a desenvolver um modelo assistencialista. Mas este também parece ter falido. Temos cada vez mais gente dependente dos subsídios e cada vez mais gente atirada para a exclusão. O que é que falhou?

DC- Infelizmente, a caridade foi remetida para um estado de insignificância social e moral resultante de um desvio do seu sentido mais profundo. O Papa Bento XVI na sua encíclica “Caritas in veritate” aborda esta questão e considera a caridade como o principal pilar da doutrina social da Igreja. Neste sentido, a promoção do bem comum e da dignidade humana, enquadrada por esta, deverá ser um desígnio de cada cristão na medida das suas capacidades e saberes. Ninguém deve ficar de fora deste propósito de promover o outro como um igual. A via da participação nas instituições públicas ou da intervenção direta da igreja poderão ser formas distintas de praticar a caridade em prol do bem comum. É, em conformidade com este princípio, que o assistencialismo deve ser visto como uma primeira fase de uma intervenção, muitas vezes urgente, de apoio às pessoas que se encontram numa grave situação de carência. No entanto, a intervenção socio-caritativa não deverá permanecer somente nesta primeira abordagem.

 

PD_ Qual é o passo seguinte?

DC- A solidariedade assistencialista deve de imediato passar a uma nova fase, a de uma solidariedade emancipatória, que promova na pessoa novas capacidades e competências para a autonomia na condução do seu projeto de vida, possibilitando que se reintegre a comunidade o mais rapidamente possível. Contudo, para que este percurso de reconquista da sua autonomia tenha sucesso, deverá ser acompanhado de perto pelas redes sociais da igreja, da comunidade e pelos serviços públicos e privados, no amparo e no suporte a este caminho de reinserção que a pessoa terá que realizar. Este processo de incentivo à vontade da pessoa, de promoção do seu contributo social, de valorização da ética do trabalho e o apoio com vista à inclusão da mesma na sociedade, deve ter uma mediação e merecer o acompanhamento da Igreja, não esquecendo, que, simultaneamente, deve estar-se na primeira linha da luta permanente por uma nova organização da sociedade que promova um novo paradigma de equidade e economia. Uma economia que não exclua, que não promova o desemprego e a pobreza, ou seja, como nos diz o Papa Francisco, por uma economia que não mate.

 

PD-  O Papa Francisco na sua Exortação Apostólica, lançada na semana passada, faz uma crítica muito feroz ao capitalismo e à tirania dos mercados. Como vê estas palavras?

DC- A mudança no paradoxo de desenvolvimento das sociedades atuais, dando primazia ao capital em detrimento da pessoa humana, tem originado situações de exclusão gravíssimas. Urge redefinir a postura dos Estados relativamente a esta matéria através da apresentação de uma nova síntese humanista, em que a pessoa humana seja recentrada no processo evolutivo das sociedades.  A Igreja, como é seu apanágio, tem estado ao lado dos mais desfavorecidos, aliás, já em 1891 através da encíclica Rerum Novarum, o Papa Leão XIII, chamava a atenção para os conflitos emergentes da exploração das classes trabalhadoras e para a necessidade de resolução deste problema. Atualmente vemos a Igreja a tomar posição, através do Papa Francisco, com afirmações de coragem que deverão servir de incentivo a que a sociedade civil, crente ou não crente, se organize de modo a influenciar as instâncias decisoras a pensarem mais na dignidade das pessoas e nas consequências dos seus atos.

 

PD-  Nos Açores, a situação é idêntica. Podemos ter casos menos dramáticos de exclusão e pobreza mas temos um fenómeno novo que é transversal às sociedades dos países em crise: a classe média e média alta está a desaparecer. Com o trabalho tão penalizado, que saídas existem para este problema social?

DC- Temos assistido a fenómenos de concentração da riqueza que levam, inexoravelmente, a problemas desta natureza. Olhando para algumas estatísticas podemos constatar que durante o período da Grande Depressão houve uma grande concentração da riqueza em pouquíssimos indivíduos. Esta tendência sofreu alguma inversão nos tempos subsequentes com alguma redistribuição desta riqueza, levando a uma harmonização das classes sociais.

Neste período mais recente temos assistido novamente a um pico de concentração da riqueza com os mesmos efeitos perversos de então. Esta tendência só pode ser invertida com a mediação do Estado através da sua função reguladora. Não é expectável que os ditos “mercados” se auto regulem no sentido de introduzir justiça social e redistribuição de riqueza de uma forma voluntária. Aliás, esta é uma das funções primordiais do Estado. Obviamente, que este problema não poderá ser resolvido de uma forma isolada devido às inter-relações estatais no contexto europeu e mundial, mas urge conciliar esforços no sentido de definir políticas mais justas e equitativas. Este é precisamente, um dos objetivos do evento a realizar, a discussão de vias alternativas para lidar com o problema.

 

PD- Que medidas estão equacionadas pelo Serviço Diocesano da Pastoral social e da Mobilidade Humana para fazer frente a estes problemas?

DC- Por um lado, haverá que promover uma mudança de atitude em todos nós,  e daí a necessidade de mantermos uma linha prioritária de reflexão e por outro lado, importa aprofundar um conhecimento sobre a situação social dos Açores num ótica que nos vai levar à criação de um Observatório Social, fruto de um processo colaborativo  com a Universidade Católica Portuguesa.

Daí resultará informação e a possibilidade de, em concreto, apoiarmos a sociedade civil e o próprio Estado, num processo de  forte cooperação, a definir novas linhas de ação, com um caráter social mais estruturante.

 

PD-  Hoje, até pelo tempo de advento em que vivemos, há uma nova esperança que radica na generosidade das pessoas. Como é que a Igreja pode fazer para motivar e incentivar no tempo esta generosidade?

DC- Nesta altura do ano sucedem-se os peditórios, as ações de solidariedade, as campanhas de recolha de alimentos, etc, todas estas muito bem intencionadas e realizadas por voluntários imbuídos de uma grande espírito de entreajuda. São importantíssimas para amenizar o sofrimento de muitas pessoas, mas o grande desafio reside na capacidade da Igreja em motivar estas pessoas para uma ação de natureza emancipadora dos indivíduos que passam por uma fase de infortúnio.

É fulcral quebrar o ciclo de pobreza para o qual muitas famílias estão remetidas. Este objetivo só poderá ser conseguido através da valorização do contributo que cada um poderá dar à sociedade, quer através do seu trabalho, quer através da relação com outras pessoas da sua comunidade.

 

PD- Que mensagem deve a Igreja deixar neste tempo de tanta dificuldade?

DC- A mensagem da Igreja será sempre de esperança nos tempos vindouros. Contudo, esta não poderá ser uma esperança passiva em que tudo se irá resolver por via da providência divina, mas sim, de uma ação firme no tempo e no espaço, subordinada ao conjunto dos valores da sua doutrina social, visando a promoção da pessoa humana.

 

PD- Quando terminar este ano pastoral, qual o balanço que gostaria que se fizesse do vosso trabalho enquanto comissão?

DC– Termos colaborado significativamente para a construção de uma região mais coesa, mais justa e com uma economia mais inclusiva.

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