Pelo cónego Hélder Miranda Alexandre

A sinodalidade não é uma solução fácil e rápida, mas exprime-se em estruturas e processos eclesiais necessários que procuram o discernimento da vontade de Deus (documento n. 81-94). No n. 82 afirma-se que o discernimento eclesial “não é uma técnica organizativa, mas uma prática espiritual a ser vivida na fé. Tal requer atitudes interiores para um verdadeiro discernimento: liberdade interior, humildade, oração, confiança recíproca, abertura à novidade e abandono à vontade de Deus”. Não se trata de prevalência do ponto de vista pessoal, nem soma de pareceres, mas de escuta recíproca, na conversão do Espírito. Requer usar como instrumentos a Sagrada Escritura, a Tradição viva da Igreja, o Magistério, o sensus fidei, a história da humanidade e da Igreja, a consciência pessoal de cada participante e o contexto do discernimento. Tentar procurar a vontade de Deus na história do mundo e da Igreja não é um caminho de gosto pessoal. Necessita de reflexão pessoal, silêncio e oração para sentir a ressonância interior das coisas escutadas, o que suscita no próprio coração e avaliar se é espírito de Deus ou do mal. Para discernir se são vontade de Deus tem de passar pelos critérios da encarnação do Verbo, incluindo a sua humilhação até à cruz, e pelo ensino da Igreja.
Após este discernimento interior inicia-se a conversão no Espírito. O diálogo confiante com os outros implica uma abertura à novidade e disponibilidade para mudar as próprias ideias. Este sinal de maturidade humana e espiritual concretiza-se na capacidade de receber, de depender de uma verdade transcendente, não tendo medo da própria liberdade, fazendo a vontade de Deus como um ato de amor. Exercita-se a própria responsabilidade e assume-se o risco do engano. Procurar a vontade de Deus não é uma ciência exata, mas mistério. Somente se pode obter uma certeza moral, não metafísica. O discernimento envolve a nossa liberdade e a liberdade e divina. Deve-se partir do objeto que se discerne, a sua memória iluminada pela Palavra de Deus e pela Tradição viva da Igreja (n. 84).
No discernimento não pode faltar um acompanhante espiritual, que podem ser pequenos grupos, como se notava nas últimas sessões do Sínodo. Depois de um certo número de intervenções, deixava-se espaço para o silêncio e para a reflexão e interiorização do que foi escutado. É preciso saber avaliar as moções interiores de desolação e consolação, como sinais da palavra que Deus nos dirige. Só depois deste processo se apontam possíveis soluções, na base do consentimento do grupo. Isso requer purificação do intelecto, iluminado pela fé e guiado pelo Espírito Santo, pelos dons da sabedoria, prudência e do amor encarnado. O horizonte deve ser sempre a glória de Deus e o serviço à sua vontade. Nunca os meios devem superar os fins. Deve-se ter bem claro que motivações nos levam a fazer determinada escolha. Ora, se este processo é difícil para uma pessoa, muito mais difícil será para um grupo. Não é possível realizar este procedimento, se uma assembleia não está preparada para o fazer e disposta à disponibilidade de se destacar de si mesmo.
O documento final, claramente influenciado pelos princípios inacianos, leva-nos para um modo de agir, que muitos não estão habituados. Será em muitos casos uma desilusão prática. Por isso, não coloquemos esperanças em modelos simplistas e em soluções rápidas. Deverá ter mesmo de passar pelo exemplo do Redentor que passou pela paixão e morte. Não há outro modelo na Igreja.
Portanto, muitas soluções práticas apresentadas por Conselhos, Serviços, Paróquias, Ouvidorias e Movimentos eclesiais poderão não ser conformes ao processo sinodal e à vontade de Deus. Por exemplo, quando alguém ou um grupo quer impor as suas ideias aos demais, não aceitar visões diferentes, ou ter como horizonte a sua promoção pessoal está a trair a própria identidade cristã e o caminho da Igreja. Queira Deus que sejamos disponíveis às moções que o Espírito nos aponta.