Festa de Nossa Senhora da Conceição em Angra: um Santuário vivo no coração da cidade

A sua festa maior realiza-se no dia da Solenidade da Imaculada Conceição, embora a novena preparatória e o ambiente festivo já se sinta desde o dia 29 de novembro

Foto: Santuário de Nossa Senhora da Conceição/CR

 

No alto da Conceição, onde Angra respira fé e memória, no cruzamento de várias artérias que ligam o centro à periferia, o Santuário Diocesano de Nossa Senhora da Conceição volta a vestir-se de luz e de encontro.

Criado em 1987 pelo então bispo D. Aurélio Granada Escudeiro, o Santuário encontrou ao longo das décadas um pulsar que vai muito além das suas paredes: tornou-se casa, refúgio e lugar de partida para centenas de fiéis que ali se reconhecem e que vêem em Nossa Senhora uma escola de vida. Dali spartiram também algumas das vocações consagradas da diocese, sendo o palco da instituição de vários ministérios laicais e ordenações diaconais rumo ao sacerdócio. Aliás, era tradição que as vésperas da Solenidade da Imaculada Conceição fossem cantadas pelos seminaristas e por isso, este ano, mesmo sem seminaristas a residir em Angra, mantém-se a tradição com a presidência da Missa Vespertina da Imaculada Conceição  a ser presidida pelo reitor do Seminário, padre Emanuel Valadão Vaz.

Hoje, sob a orientação do Cónego Ricardo Henriques, a Festa de Nossa Senhora da Conceição volta a unir movimentos, gerações e histórias de devoção que atravessam toda a ilha.

Foto: Confraria de Nossa Senhora da Conceição

A Confraria: o coração que bate todos os meses

Depois de um período de silêncio, a Confraria de Nossa Senhora da Conceição com mais de 300 anos recuperou a sua força há 22, altura em foi restaurada e  “hoje está muito ativa”, como descreve Filipa Silva, Juíza da Confraria.

“É um trabalho discreto, mas constante”, adianta e começa cedo.

“Em outubro temos sempre uma ação de formação aberta à comunidade, mas onde a Confraria participa em peso. Depois fazemos o nosso retiro, um dia inteiro para rezar, para pensar Maria, para escolher um tema mariano que nos guiará para a festa”, explica.

Dessa preparação brotam os gestos que dão forma à grande celebração: a ornamentação do Santuário, o peditório pela freguesia, a divulgação porta a porta do programa da festa, e no dia 8, “aquela presença atenta, silenciosa, que acolhe quem chega à procura de um lugar ou de uma orientação”.

Não é uma confraria comum. Para além da espiritualidade, assumiu também a missão de cuidar do património do Santuário, dentro das possibilidades: o restauro das telas, da imagem, da base em que assenta a imagem da padroeira e de outros elementos que testemunham a história da devoção.

São cerca de 130 confrades, embora nem todos possam participar ativamente. E, como sublinha Filipa Silva, há algo de muito bonito na forma como chegam: “Temos pessoas de quase todas as freguesias da Terceira. Entram por devoção, por afinidade com Nossa Senhora. Não é preciso ser da paróquia, basta sentir que aqui é casa.”

Todos os anos entram novos membros. Este ano são três.

“Somos uma confraria com vida. Com muita vida”, afirma.

Foto: Rancho de Romeiros da Conceição

O Rancho de Romeiros: o Santuário como ponto de partida

O Diácono Paulo Roldão lembra que o Rancho nasceu ali, em 2007. E ali permanece.

“O que nos pedem, procuramos corresponder”, diz.

Participam na novena, na recitação do terço, na Vigília e na Eucaristia da festa. E, tal como o Advento marca o início do ano litúrgico, também esta festa marca para eles o arranque da preparação para a Romaria quaresmal do ano seguinte.

Nenhum dos irmãos é da paróquia, mas isso nunca foi obstáculo.

“A devoção a Nossa Senhora fala mais alto” adianta.

Reúnem-se mensalmente no Santuário, integram o Conselho Pastoral, colaboram com a Conferência Vicentina e dois irmãos servem nos Escuteiros da Conceição. Há um enraizamento que se faz pela fé e não pela residência, refere.

Foto: Igreja Açores/CR

As Romeiras: levar Maria nos passos e no coração

Para Isabel Cunha, Mestre das Romeiras, a festa é “muito especial”.

“Maria é uma presença grande nas nossas vidas. Participar na Vigília, rezar o terço… tudo ganha um sentido maior nesta festa”, afirma.

As Romeiras de Nossa Senhora da Conceição têm irmãs espalhadas por praticamente todas as freguesias da ilha, à semelhança dos Romeiros que as inspirararm para formar o rancho. Muitas são familiares, outras têm ligação ao Movimento. A maioria está empenhada nas suas paróquias – na catequese, na liturgia, na pastoral social –  mas é no Santuário que encontram o ponto comum.

“O Reitor é o nosso assistente espiritual, e isso é uma grande mais-valia.”

As Caminhantes: o grupo que nasceu das cheias e cresceu com a fé

Há 11 anos, no ano das cheias de Porto Judeu, nasceu quase em silêncio o grupo das Caminhantes. Hoje, como descreve Fátima Duarte, uma das responsáveis, é um movimento que cresce ano após ano.

“Começámos inspiradas nos Romeiros de São Miguel… éramos poucas. Agora, na primeira reflexão do ano, chegamos quase sempre às 70 inscritas.”

São mães e filhas, avós e netas. Mulheres dos 20 aos 70 anos, unidas pela oração.

“Cada uma leva a sua intenção. A corrente de oração no grupo é muito importante — na caminhada e ao longo do ano. Somos quase procuradoras de almas… vamos recolhendo intenções por onde passamos.”

Também participam na Vigília, rezam o terço, colaboram com a Conferência Vicentina e têm lugar no Conselho Pastoral. E todos os anos, antes da grande caminhada do quarto domingo da Quaresma, celebram uma Eucaristia de envio no Santuário mesmo que, por vezes, a chegada seja noutro lugar. O que importa é o caminho.

Um Santuário que respira movimento… e vida

À Confraria, aos Romeiros, às Romeiras e às Caminhantes juntam-se ainda outros movimentos que animam e sustentam a festa: as Equipas de Nossa Senhora, a Mensagem de Fátima, os Cursilhos de Cristandade, O CNE, entre outros.

É uma comunidade plural, profundamente viva, que encontra na Festa da Padroeira o seu momento maior de unidade, com a oração no coração e na mente.

Filipa Silva resume numa frase a essência da festa: “Tem que haver alegria. Partilha. Abraços. Encontros.” Afinal, celebrar Nossa Senhora da Conceição é isso mesmo: reencontrar-se com a fé, com os outros e consigo próprio. É deixar que Maria ilumine a ilha e que cada movimento, cada oração, cada gesto, por mais pequeno que pareça, faça parte dessa luz.

Este ano, mais uma vez, o Santuário volta a ser casa de todos. E a festa, como sempre, será viva, emotiva e profundamente humana — como a própria devoção que há décadas mora naquela colina.

Para o reitor, a Conceção Imaculada de Maria “é um sinal da bênção de Deus sobre a vida, sempre presente na História da Salvação e que continua a renovar-se nos nossos dias”. Como Senhora do Advento, recorda ainda o cónego Ricardo Henriques, Maria conduz os fiéis à expectativa do Natal, “na gestação do Filho cuja chegada celebraremos a 25 de dezembro”.

A celebração deste ano decorre ainda no espírito do Ano Jubilar da Esperança e em plena caminhada sinodal rumo aos 500 anos da Igreja Local, a celebrar em 2034. Relembra-se também que os santuários viveram ao longo deste ano a temática Cristo, nossa Esperança, em sintonia com a carta pastoral do bispo diocesano, Batizados na Esperança, que orientará a missão da Diocese nos próximos três anos, com especial foco no Kerigma, o anúncio essencial da fé.

Já esta noite haverá um momento alto da festa com a conferência “Maria, a primeira influencer do Céu”, orientada por Mariana Cabral, enfermeira e paroquiana da comunidade. A iniciativa, promovida pelo Grupo do Jubileu da Esperança e pelo Instituto Católico de Cultura terminará com um momento musical: uma peça para órgão de J. S. Bach, interpretada por Olga Lysa.

Sábado, domingo e segunda, dia maior da festa, o Santuário acolherá intensos momentos de oração. O dia 8 de dezembro, solenidade da Imaculada Conceição, contará com seis Eucaristias, sobressaindo a celebração das 09h30, presidida por D. Armando Esteves e transmitida pela RTP1. A missa contará com a participação da Associação dos Bombeiros Voluntários de Angra e será animada pelo coro da Confraria de Nossa Senhora da Conceição, dirigido por Liliana Silva, com Anabela Albuquerque ao órgão. O dia encerrará com a Eucaristia final, às 19h00, igualmente com a Confraria.

A pregação do novenário tem estado a cargo dos padres António Santos, Luís Silva e Pedro Lima, trazendo ao coração da comunidade diferentes vozes que iluminam a esperança cristã.

À semelhança do ano anterior, a oração do terço tem sido dinamizada pelos movimentos da paróquia com recurso a um Guião especialmente preparado, este ano dedicado às sete alegrias de Nossa Senhora da Anunciação à sua Coroação no Céu. O reitor sublinha que estas alegrias “são portas que se abrem para a esperança do Céu”, revelando uma visão mais luminosa e otimista da presença de Deus na vida de Maria e, consequentemente, na vida dos crentes.

O dogma da Imaculada Conceição afirma que Maria, a mãe de Jesus, foi concebida sem a mancha do pecado original. Esta crença foi proclamada pelo Papa Pio IX em 8 de dezembro de 1854, através da bula ‘Ineffabilis Deus’, e é uma verdade de fé da Igreja Católica. A preservação do pecado original foi um privilégio único concedido a Maria, em vista dos méritos de Cristo.

A primeira celebração do culto da Imaculada Conceição aconteceu na Sé Velha de Coimbra, no dia 8 de dezembro de 1320.

A ligação entre Portugal e a Imaculada Conceição ganhara destaque em 1385, quando as tropas comandadas por D. Nuno Alvares Pereira derrotaram o exército castelhano e os seus aliados, na batalha de Aljubarrota.

Em honra a esta vitória, o Santo Condestável fundou a igreja de Nossa Senhora do Castelo, em Vila Viçosa (Arquidiocese de Évora), e fez consagrar aquele templo a Nossa Senhora da Conceição.

A antiga igreja de Nossa Senhora do Castelo, espaço onde se ergue atualmente o santuário nacional, afirmou-se nos finais do século XIV como um sinal desta devoção, em toda a Península Ibérica.

Durante o movimento de restauração da independência, com a coroação de D. João IV como rei de Portugal, a 15 de dezembro de 1640; este soberano coroou a Imagem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa como Rainha e Padroeira de Portugal, durante as cortes de 1646.

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