Diocese e Grupo Vita promovem formação especifica aberta a toda a comunidade

Num momento em que a sociedade exige respostas mais eficazes à violência sexual contra crianças, torna-se imperativo refletir, com “seriedade e compromisso”, sobre o papel de cada um na prevenção destas situações limite. Esta noite, uma iniciativa da Comissão Diocesana de Protecção de Menores e Adultos vulneráveis em parceria com o Grupo VITA, reuniu educadores e membros da comunidade eclesial para debater o tema e reforçar a urgência de uma abordagem informada, preventiva e acolhedora.
“Quando falamos de violência sexual, temos de alinhar um bocadinho as nossas narrativas, sabermos do que é que estamos a falar e desconstruir alguns mitos que ainda existem” começou por afirmar Rute Agulhas psicóloga e responsável pelo Grupo Vita, criado em 2023 para acolher denúncias de abuso, trabalhar na prevenção e acompanhar vítimas e agressores.
“Em matéria de abusos há muitos mitos, um deles muito frequente é, por exemplo, que os abusadores são sempre homens, ou são sempre pessoas estranhas, que precisamos desconstruir e de forma tranquila, sem alarmismos, sem sensacionalismos para alertarmos e prepararmos as crianças para que elas adoptem comportamentos de auto proteção”, afirmou Rute Agulhas.
Segundo dados partilhados no encontro, 60% dos abusos sexuais a crianças ocorrem na esfera mais próxima da vítima, 30% no mundo digital e apenas 10% são perpetrados por estranhos.
“Esta realidade obriga-nos a repensar o discurso que tradicionalmente promovemos junto às crianças”, disse.
O velho conselho “tem cuidado com os estranhos” é claramente insuficiente – e até contraproducente- para garantir a segurança infantil.
“Estamos a educar mal as nossas crianças”, alertou .
“Assim como se ensina às crianças a atravessar a estrada ou o que fazer num sismo, também se deve ensiná-las a protegerem-se de abusos” disse a especialista ao salientar que “prevenção não é falar de sexo, não é falar de ideologia de género, quando falamos em prevenção falamos de segurança, de limites, de proteção”.
“Os Açores são um bom exemplo, pois desde pequenas as crianças são ensinadas a saber reconhecer os sinais, a saber o que fazer e o que não fazer”, disse.
“No fundo, em matéria sexual, estamos a falar de segurança pessoal, trabalhando temas como o corpo, como as emoções, como os diferentes tipos de toque, saber dizer sim, saber dizer não, distinguir os diferentes tipos de segredos, mas sobretudo aprender a pedir ajuda, identificar adultos de confiança que as possam ajudar” disse defendendo uma educação que envolva as crianças e as famílias de forma ativa.
“Isto não é retirar o ónus dos adultos, na medida em que criar ambientes seguros e protetores é , em primeiro lugar, uma responsabilidade dos mais velhos mas as crianças não podem ficar de fora”, afirmou Rute Agulhas, que situando a intervenção no âmbito da Igreja falou na importância do “acolhimento”, na adopção de “códigos de conduta adequados” e de “proteção”.
Contrariando a perceção de que a Igreja é o epicentro do problema, a oradora destacou que a maior parte dos abusos não ocorre em instituições religiosas, mas sim em ambientes familiares. Contudo, a Igreja tem um papel crucial a desempenhar, não apenas na prevenção, mas também na resposta às denúncias.
“A Igreja pode e deve ser o porto seguro escolhido pela criança para contar o que se passa em casa”, referiu a responsável, sublinhando a importância de preparar catequistas, escuteiros, professores e outros agentes pastorais para acolher, escutar e encaminhar adequadamente as denúncias.
“A igreja não é a má da fita e tem apostado na prevenção da violência sexual contra crianças” afirmou a especialista que já na segunda feira esteve na ilha Terceira a fazer esta formação dirigida a pais, educadores e agentes de pastoral.
A responsável lembra que o acolhimento é fundamental; é a trave mestra de qualquer ação” explicitou.
“As crianças escolhem com quem falar. Se nos escolhem a nós, temos de estar preparados. As crianças não escolhem aleatoriamente, as pessoas escolhem exatamente por sentirem que há ali um ponto de abrigo, que há ali um contexto de acolhimento e é ali que eu se calhar vou conseguir falar este meu grande segredo” explicitou.
“Acho que é muito importante também que todas estas pessoas deste grande universo que é a Igreja consigam pensar, eu tenho que saber mais sobre isto, eu tenho que estar mais informada, porque eu posso ser a pessoa que a criança escolhe para me pedir ajuda. Pela proximidade, pela confiança”.
O trabalho do Grupo Vita, criado para responder aos casos de abusos no seio da Igreja, foi igualmente apresentado. Ainda que muitas denúncias cheguem já fora do prazo legal ou com os suspeitos falecidos, a Igreja tem vindo a agir. Há afastamentos de funções, processos de averiguação e uma articulação cada vez mais próxima com comissões de justiça e serviços de proteção.
“Algumas congregações começam a criar serviços preventivos mesmo sem terem casos reportados”, disse Rute Agulhas ao Sítio Igreja Açores.
O Grupo Vita já lançou um manual de prevenção que, em bom rigor, sistematiza todos os passos que devem ser dados, quer na elaboração de mapas de risco, na construção de códigos de conduta quer, ainda, nos processos de recrutamento seguro e está a desenvolver programas específicos para a Igreja, cuja apresentação pública está prevista para setembro. Trata-se de dois programas de prevenção primária que estão a ser desenvolvidos desde há dois anos só para a Igreja e está a ser, ainda, preparado um congresso internacional em novembro, em Fátima, em que especialistas do Vaticano, da Irlanda, de Espanha, entidades que trabalham neste contexto concreto há mais anos, com os quais se quer aprender.
Esta formação sobre medidas preventivas contou igualmente com a participação do clero açoriano.
Grupo Vita promove formação sobre prevenção de abusos em contexto eclesial
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