Irmã Benilde: “A minha vocação nasceu comigo mesma”

Foi a “terceira dos últimos” de uma família de 10 filhos, em Vila Franca do Campo e chegou a impedir uma “casamento” de brincadeira na escola porque queria entregar-se a Nosso Senhor e isso impedia-a de casar, nem que fosse a brincar

Foto: Igreja Açores/CR

Nascida a 29 de dezembro de 1929, na Rua Visconde Botelho, em Vila Franca do Campo, Donatila Carreiro Arruda , desde os seus primeiros votos até hoje  Irmã Benilde,  como “destinou” a sua superiora da Congregação das Irmãs Missionários de São Pedro de Clavel, recorda a sua vida marcada pela fé e pela missão, numa entrevista concedida ao portal Igreja Açores.

Filha de António de Arruda e Maria de Jesus Carreiro, a religiosa explica que na Congregação, fundada em 1894 pela Madre Maria Teresa Lerowska, o importante é ajudar nas missões. Por isso, a sua missão começou bem cedo, quando andava de porta em porta em Vila Franca para angariar assinantes para a revista da congregação a que viria a pertencer.

“Não foi fácil. Ninguém queria que eu fosse para freira e o mar impedia-me de sair. Para além do dinheiro, que também não tinha” recorda sem nunca vacilar: “sempre quis entregar-me a Nosso Senhor”.

A trajetória missionária da Irmã Benilde levou-a por vários países: começou em Lisboa, seguiu para a Suíça, França, Itália, Holanda, Brasil, Argentina e Uruguai. Em Buenos Aires, chegou a estar próxima do Papa Francisco: “Ele visitou a nossa casa numa festa do jubileu de uma irmã”, recorda. Em 2017 regressou a Lisboa, no ano do centenário das aparições de Fátima. A ligação à Senhora de Fátima é visivel. Anda,de resto, sempre com uma imagem “debaixo do braço” e leva-a consigo para rezar o terço na casa das famílias que visita.

“Não é tão bom? Ela está sempre a sorrir para nós. É uma graça”, diz assim do meio do nada quando lhe perguntamos o que faz.

Desde criança, sentiu-se atraída por Jesus, especialmente pelo Menino Jesus no presépio, em Vila Franca.

“A minha vocação nasceu comigo mesma”, confessa. Recorda-se da primeira confissão, “junto do padre Bulhões que me colocou a mão em cima da cabeça, ainda com quatro ou cinco anos”, e das noites de Natal em que esperava ansiosamente pelo Menino Jesus.

“Andava a brincar e a minha mãe ia à Igreja Confessar-se. Não a larguei e quis acompanhá-la e então ela empurrou-me para o confessionário, mas eu nem sabia o que havia de dizer”, salienta.

A vida familiar deixou marcas: cresceu numa casa com dez irmãos, “quase uma equipa de futebol”, como brinca, sendo uma das mais novas: “fui a terceira dos últimos”, diz numa alusão clara ao evangelho onde Jesus refere que os últimos são os primeiros. Nem que seja a aceitar uma vocação religiosa consagrada.

“Se a minha mãe se tivesse contentado como hoje as famílias se contentam eu não estaria cá” diz meio a sério meio a brincar como que adentrando-se numa explicação sobre a falta de vocações religiosas que hoje as congregações enfrentam. Desde cedo, manifestou o desejo de se consagrar a Deus, chegando mesmo a recusar brincadeiras de casamento na infância: “Eu não queria casar, queria ser toda de Jesus”.

Entre desafios e entrega

A vocação enfrentou resistências e dúvidas, mas foi amadurecendo através do contacto com as Irmãs Missionárias e do trabalho de angariação de fundos para apoiar as missões. “Já me sentia um pouco missionária”, relembra. Aos 26 anos professou os primeiros votos religiosos, e mais tarde os votos perpétuos. Pelo meio fica a rejeição de três pretendentes.

“Queriam namoriscar mas eu disse-lhes que não. Falei com um primeiro e os outros perceberam logo que daqui não iam ter nada”, recorda.

A caminhada, admite, não foi fácil: “A santidade custa, mas com Jesus podemos tudo. Ele ajuda-nos sempre”.

Ao longo da vida, a Irmã Benilde conheceu vários papas – Pio XII, João XXIII e João Paulo I – e guarda consigo uma devoção especial pela oração.

“A oração é a arma do cristão”, afirma, recordando até o momento em que pediu a bênção do Papa João Paulo II para um punhado de medalhas durante uma audiência em Roma, em 1978.

Hoje, mantém uma rotina simples: levantar-se às cinco e meia, rezar, trabalhar e adorar o Santíssimo.

“A paz interior só se encontra estando com Ele”, conclui sem deixar de se entristecer com as imagens que lhe chegam todos os dias pela televisão: “tanto sofrimento em Gaza e na Ucrânia e em tantos lugares do mundo, por causa da maldade dos homens”.

Entre memórias de infância, histórias de missão e o silêncio da oração, a vida da Irmã Benilde é um retrato luminoso de quem fez da fé o seu caminho e da missão a sua vocação.

A entrevista alargada pode ser ouvida de hoje a oito dias, no programa de rádio Igreja Açores, na Antena 1 Açores e no Rádio Clube de Angra.

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