“Jesus chama-nos a viver uma hospitalidade sem cálculo”- D. Armando Esteves Domingues

Bispo de Angra preside à festa de Nossa Senhora de Lourdes e desafia peregrinos a perpetuar a “mística, a coragem, a fé e a solidariedade dos baleeiros” , numa Igreja humilde

O bispo de Angra presidiu este domingo à missa solene da Festa de Nossa Senhora de Lourdes, na vila baleeira das Lajes do Pico e exortou os picoenses a perpetuar “a mística, a coragem, a fé e a solidariedade” dos antigos baleeiros.

“Dou-vos os parabéns pela qualidade do programa (Semana dos Baleeiros), pela forma como mantendes as tradições e não deixais enfraquecer a mística dos baleeiros, salientando a sua coragem, a sua fé e a sua solidariedade. Eles acabam por marcar muito do que é a história, a cultura e o imaginário das novas gerações”,  afirmou o Bispo de Angra este domingo à tarde na missa que encerra a Semana dos Baleeiros nas Lajes do Pico, e que reúne centenas e centenas de fieis, devotos de Nossa Senhora nesta invocação.

A partir da liturgia proclamada, D. Armando Esteves Domingues recordou o banquete, sinal de abundância no Evangelho, mas também “ da sabedoria da humildade” e exorta a Igreja a ser essa escola de humildade.

“Tudo o que o homem é e tem é um dom de Deus, de modo que podemos entender a humildade como a lembrança do dom de Deus, isto é, a realidade que fundamenta a vida de fé. A humildade é co-essencial à fé, de facto, a fé é toda ela humildade”, referiu porque “contrasta com o orgulho”, permite “um amor verdadeiro” e implica “o reconhecimento como filho de Deus” e “irmão do próximo”.

“A pessoa humilde deixa espaço para o outro, impõe limites a si própria e, assim, abre-se ao encontro, ou melhor, convida o outro ao encontro com bondade. Demasiado cheio de si, saturado do seu próprio ego e enamorado da sua própria superioridade, o orgulhoso declara que não precisa dos outros e, por isso, os outros afastam-se dele e sentem-no como não amável”, alertou.

O bispo de Angra, a este propósito, lembrou S. João Crisóstomo que apresentava a humildade como a “maior das virtudes”.

“Sem ela, nenhuma outra brilha. O humilde não o é por se rebaixar diante dos outros, mas aceita-se como é, com os seus limites, mas também agradecido com os seus talentos, os dons que Deus lhe deu de graça, sem mérito próprio. Não se incha de orgulho, mesmo quando sabe mais, é detentor de cargos de destaque, possui bens, etc” sublinhou, dando como exemplo o próprio Jesus e Nossa Senhora, particularmente venerada nesta festa.

Recordando a aparição de Lurdes, em França, D. Armando Esteves Domingues lembrou que é na humildade e aos humildes que mais facilmente Deus se revela.

“A força de Maria é a força poderosa da humildade”, afirmou.

“Este é o coração do Evangelho: acolher aqueles que não contam para o mundo, dar lugar aos que não têm lugar, estender a mesa aos que nada podem oferecer em troca. Jesus chama-nos a viver uma hospitalidade sem cálculo, uma generosidade sem interesse”, disse.

“A festa de Nossa Senhora de Lourdes é, assim, um convite a fazer da Igreja uma mesa aberta, onde há lugar para todos, mas sobretudo para aqueles que o mundo costuma excluir. E que, um dia, todos juntos, possamos participar do grande banquete do Reino dos Céus, onde os pobres, os frágeis e os humildes verão o que significa o primeiro lugar” concluiu.

Depois da eucaristia, decorreu a procissão pelas principais ruas da vila baleeira com destaque para o sermão, junto aos cais, lugar que habitualmente se chamava “pesqueira” antes das obras em toda a frente de mar nesta vila do Pico. Este era o lugar mais emblemático de encontro dos baleeiros e por isso, durante muitos anos, o `sermão da pesqueira´ assim designado aludindo à designação do lugar, era uma forma de homenagear estes homens e também a atividade que desenvolviam.

Posso imaginar quantas vezes a sua imagem não terá ido com os antigos baleeiros nos botes à caça da baleia, talvez não numa imagem como esta, mas gravada no coração daqueles homens rijos, provados pelas agruras do sol, das tempestades e dos ventos. (…) Estamos reunidos num simbólico local que testemunhou muitas histórias da faina, cheia de riscos e belos testemunhos de solidariedade desses intrépidos homens do mar que nos enchem de orgulho e reconhecimento. Tenho por púlpito um bote, um emblema local, que representa a coragem, destreza e a ligação íntima ao mar que todo o açoriano e em especial o lajense sentem. Aqui e agora, este bote é expressão visível de uma fé fortalecida pelos perigos, vitórias e perdas, uma fé de ontem, de hoje e de sempre.(…) Hoje lembramos aqui todos os que, com as suas lágrimas acrescentaram sal às águas do mar(…) Aqui, recordamos que a vida, como o oceano, tem as suas tempestades, mas também os seus milagres(…) Deus pode transformar o ordinário em extraordinário: o medo em coragem, a incerteza em confiança, o esforço em fruto. Cada viagem ao mar (da vida) é uma oportunidade de experimentar essa transformação, de sentir a mão de Maria a guiar-nos e o olhar de Cristo a iluminar o nosso caminho. Solidariedade no mar, solidariedade em terra(…) Basta dar às pessoas o gosto pelo infinito e elas encontrarão as suas próprias maneiras de fazer barcos e se lançar ao vasto oceano. Que a nossa festa não seja apenas um momento de alegria para nós mesmos, mas sobretudo um sinal de que queremos ser uma Igreja com as portas abertas: uma Igreja que acolhe os pobres, os frágeis, os esquecidos; uma comunidade de esperança que não se mede pela riqueza, mas pela solidariedade; um povo que, como Maria, vive a força da humildade e abre espaço para que Deus faça maravilhas.” (Bispo de Angra, no sermão )

 

De manhã, o bispo de Angra dirigiu-se particularmente aos doentes e a partir da liturgia discorreu, sobretudo, sobre “a virtude da humildade” convidando os peregrinos da `Senhora de Lourdes´, especial protetora dos doentes, a imitiram a sua “sabedoria e humildade”.

“O humilde não se rebaixa, mas reconhece a verdade de si mesmo: criatura diante do Criador, irmão entre irmãos. A desgraça do soberbo não tem cura, porque a árvore da maldade cria nele raízes”, disse.

“Nossa Senhora é o espelho perfeito desta virtude da humildade. Ela nunca procurou grandeza, não reclamou lugar de honra; antes, no silêncio e na simplicidade, abriu-se ao projeto de Deus. Foi na sua pequenez que Deus fez grandes coisas”, frisou, ainda dirigindo-se particularmente aos “doentes e frágeis” os que são os primeiros na conta de Jesus.

A partir de uma certa altura da vida, olhamos com mais tranquilidade e esperança para Cristo e para a nossa vida futura junto de Deus. Ele preenche muito das nossas vidas, dá um sentido amoroso à cruz, limites e sofrimentos, porque os experimentou e viveu oferecendo-os pela nossa salvação. Não sofreu em vão- Nem nós, identificados com Ele, sofremos em vão”, concluiu D. Armando Esteves Domingues que centrou a atenção no significado da cruz.

A festa de Nossa Senhora de Lourdes é uma das festas de verão mais participadas na ilha do Pico porque a festa da padroeira culmina a Semana dos baleeiros, um dos festivais de verão mais emblemáticos das ilhas do triângulo.

No sábado houve a tradicional procissão marítima organizada em botes baleeiros, com centenas de pessoas.

 

Invocação a Nossa Senhora de Lourdes

Querida mãe e Senhora de Lourdes,

Tu que foste a estrela da manhã para os nossos baleeiros

Tu que foste estrela polar a marcar o rumo no céu estrelado

Guia-nos e renova-nos em cada manhã para não nos perdermos

Caminhando com o teu filho Jesus, o sol de um novo amanhecer.

Mãe que conhece a humildade e o sofrimento,
protege os homens do mar e as suas famílias.
Sê para eles abrigo nos perigos,
consolação nas ausências
e porto seguro no regresso.

Lembra-te da barca da Igreja e protege os homens do lema.

Rogo-te por esta ilha-montanha, pelos seus pastores,

Por todos os homens e mulheres crentes e não crentes

Dá-lhes a certeza da fé, a força nas tempestades da vida

A alegria de viver e de fazer os outros felizes.

Senhor da Vida,
recebe no teu abraço eterno
os nossos irmãos que o mar levou para sempre.
Que as suas memórias permaneçam vivas
e o seu sacrifício inspire coragem e esperança

Aos irmãos que aqui vivem.
Amém.

 

 

 

 

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