Morreu Bento XVI

© Direitos Reservados

O Papa Emérito tinha 95 anos e encontrava-se doente. Nesta notícia estão algumas reações à morte do Papa Emérito, incluindo da diocese de Angra. O funeral realiza-se no dia 5 de janeiro.

“Com pesar informo que o Papa Emérito Bento XVI faleceu hoje às 09h34, no Mosteiro Mater
Ecclesiae, no Vaticano. Assim que possível, serão enviadas novas informações”, refere uma nota do porta-voz do Vaticano, Matteo Bruni, enviada aos jornalistas.

O diretor da sala de imprensa da Santa Sé adianta que o corpo do Papa emérito vai estar na Basílica de São Pedro, a partir da manhã de segunda-feira, “para a saudação dos fiéis”.

O estado de saúde do Papa emérito tinha vindo a agravar-se nos últimos dias e, na quarta-feira, Francisco pediu orações pelo seu antecessor, referindo que este se encontrava “muito doente”.

Bento XVI, eleito em abril de 2005 para suceder a João Paulo II, tinha renunciado ao pontificado em fevereiro de 2013, mantendo uma vida reservada no Mosteiro ‘Mater Eclesiae’, do Vaticano, sem aparições públicas desde a viagem à Alemanha, para visitar o seu irmão mais velho, monsenhor Georg Ratzinger, em junho de 2020 – o sacerdote viria a falecer a 1 de julho.

Para o assistente diocesano da Comissão Justiça e Paz, padre José Júlio Rocha, Bento XVI teve um pontificado marcado pela sua “fidelidade à Igreja”.

“Marcou todo os lugares por onde passou e essa fidelidade foi enorme. São conhecidos os textos extraordinários pela simplicidade mas sobretudo pela sua profundidade” destacando um que o marcou “profundamente”, a encíclica Deus Caritas est (Deus é amor).

O Papa Bento XVI “enfrentou desafios terríveis como as questões financeiras  do Vaticano e a tragédia da pedofilia e do abuso de menores  e a sua acção foi decisiva” refere ainda o sacerdote, doutor em Teologia Moral. O sacerdote acrescenta que “a resignação” foi  “um gesto de enorme coragem”.

“É de facto um homem cuja inteligência e santidade todos temos de admirar”, conclui afirmando que se trata de uma das figuras de referência nos séculos XX e XXI.

Também o padre Dinis Silveira, que estudou em Roma no final do seu pontificado deixa uma palavra de gratidão pelo “pensamento e pelo amor” do Papa à Igreja, apesar de nem sempre “ser compreendido por todos”.

“Era um homem simples e culto que ousou pensar o homem, a Europa e a Teologia contra a corrente e alguns nunca entenderam o alcance e a altura do pensamento deste Papa. Mas, creio que a história lhe irá dar razão e faço votos de que agora se estude mais o seu contributo para a Teologia”.

O sacerdote, doutor em Direito Canónico pela Universidade Gregoriana, de Roma, acrescenta que se perdeu “um humanista”.

“O Papa Ratzinger foi um dos últimos teólogos do nosso tempo e deixa à Igreja uma produção literária de Teologia que abarca a sociedade, basta lembrarmo-nos das suas encíclicas, particularmente a Deus Caritas Est, através da qual nos lembra que sem o amor de Deus nada podemos”.

“Perdemos um grande homem de Deus neste mundo, mas ganhamos na comunhão dos santos alguém que intercede por nós e pelo mundo”.

O Reitor do Seminário de Angra, interpelado pelo Sítio Igreja Açores lembra o “privilégio” de cumprimentar pessoalmente Bento XVI, durante a visita ad Sacra Apostolorum, em 2007.

“A sua simplicidade, na delicadeza de trato, estava associada a uma busca e curiosidade surpreendentes. Tinha encontrado um “gigante” com quem trocara umas breves palavras” salienta o padre Hélder Miranda Alexandre.

“Bento XVI, o Papa, ou Joseph Ratzinger, o teólogo, permanecerá para sempre como um dos mais brilhantes do pensamento teológico da Igreja deste século e do passado, desde o Concílio Vaticano II, no qual se destacou como perito” refere o sacerdote que elogia a resistência do Papa em ceder a “modas”.

“Destacou-se pela sua lucidez, que o terá conduzido à renúncia. Durante toda a vida, procurou, investigou e perguntou. As obras falam por si…” refere ainda.

“Os grandes são assim, precisam de tempo e de história, para que se perceba o alcance da sua existência e da sua obra. Permaneceu fiel à verdade, sem nunca a cristalizar, como afirmara: “a fidelidade é o nome do amor no tempo””

As reações à morte do Papa Emérito têm-se sucedido, desde a sociedade, à política passando, naturalmente, pela Igreja.

A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) manifestou “enorme tristeza” pela morte do Papa emérito Bento XVI, evocando o seu trabalho de “purificação e reforma da Igreja”.

“Bento XVI fica para sempre na história da Igreja pela receção e aplicação das orientações do Concílio Vaticano II,” e “pelo despertar para a purificação e reforma da Igreja em coerência com os princípios eclesiais”, sublinha a nota, enviada ao Sítio Igreja Açores.

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) disse que o Papa Bento XVI, falecido hoje aos 95 anos, “vai ficar sempre na história”, em particular pela renúncia ao pontificado.

“Bento XVI fica na história da Igreja”, indica D. José Ornelas, sublinhando o “grande passo” da resignação, quando assumiu que “já não estava em condições de governar a Igreja”.

D. José Ornelas considera que esta decisão resulta de uma “visão realista”, que veio de um Papa com “solidez teológica”.

O presidente da República Portuguesa enviou uma mensagem de condolências ao Papa Francisco pelo falecimento do Papa Emérito Bento XVI, afirmando que foi “símbolo de estabilidade e de defesa dos valores da Igreja Católica”.

“O Presidente da República sublinhou que ao longo dos seus oito anos de Pontificado, o Papa Bento XVI permaneceu um símbolo de estabilidade e de defesa dos valores da Igreja Católica: o Amor ao próximo, a Solidariedade e o apoio aos mais pobres e aos mais desprotegidos e a importância do Perdão e da Reconciliação”, refere a Presidência da República.

A maestrina Joana Carneiro assinalou hoje o legado de valorização da arte do Papa emérito Bento XVI e recordou o encontro em maio de 2010, no Centro Cultural de Belém, no encontro com o mundo da cultura.

“Muitas vezes, ao longo destes 12 anos recordei, como pilar e inspiração aquela frase «Fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares de beleza»”, destacou à Agência Ecclesia a maestrina Joana Carneiro.

Joseph Aloisius Ratzinger nasceu em Marktl am Inn (Alemanha), no dia 16 de abril de 1927, um Sábado Santo, e passou a sua infância e adolescência em Traunstein, uma pequena localidade perto da Áustria.

Nos últimos meses da II Guerra Mundial (1939-1945), foi arrolado nos serviços auxiliares antiaéreos pelo regime nazi.

Juntamente com o seu irmão Georg, foi ordenado padre a 29 de junho de 1951; dois anos depois, doutorou-se em teologia com a tese ‘Povo e Casa de Deus na doutrina da Igreja de Santo Agostinho’.

De 1962 a 1965, participou no Concílio Vaticano II como ‘perito’, após ter chegado a Roma como consultor teológico do cardeal Joseph Frings, arcebispo de Colónia.

Em 25 de março de 1977, o Papa Paulo VI nomeou-o arcebispo de Munique e Frisinga; a 28 de maio seguinte, recebeu a sagração episcopal e escolheu como lema episcopal ‘Colaborador da verdade’.

O mesmo Paulo VI criou-o cardeal, no consistório de 27 de junho de 1977.

Em 1978, participou no Conclave, celebrado de 25 a 26 de agosto, que elegeu João Paulo I; este nomeou-o seu enviado especial ao III Congresso Mariológico Internacional que teve lugar em Guaiaquil (Equador) de 16 a 24 de setembro; mo mês de outubro desse mesmo ano, participou também no Conclave que elegeu João Paulo II.

O Papa polaco nomeou o cardeal Ratzinger como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e presidente da Pontifícia Comissão Bíblica e da Comissão Teológica Internacional, em 25 de novembro de 1981.

No dia 19 de abril de 2005, o cardeal Joseph Ratzinger foi eleito como o 265.º Papa, sucedendo a João Paulo II; a 11 de fevereiro de 2013, Dia Mundial do Doente e memória litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes, anunciaria a renúncia ao pontificado, com efeitos a partir do dia 28 do mesmo mês, uma decisão inédita em quase 600 anos de história na Igreja Católica.

“Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idóneas para exercer adequadamente o ministério petrino”.

Bento XVI realizou 24 viagens ao estrangeiro, incluindo uma visita a Portugal, entre 11 e 14 de maio de 2010, com passagens por Lisboa, Fátima e Porto.

No total, as visitas apostólicas tiveram como destino prioritário a Europa (16), seguindo-se a América (3), o Médio Oriente (2), a África (2) e a Oceânia (1); a estas somam-se 30 deslocações em solo italiano.

O falecido papa assinou três encíclicas e presidiu a três Jornadas Mundiais da Juventude (Colónia, Sidney e Madrid), para além de ter convocado cinco Sínodos dos Bispos, um Ano Paulino, um Ano Sacerdotal e um Ano da Fé.

As encíclicas, textos mais importantes do pontificado, começaram a ser publicadas em 2006, com a ‘Deus caritas est’ (Deus é amor), um texto breve que apresenta uma “fórmula sintética da existência cristã”: Deus é amor e os cristãos acreditam nesse amor, fazendo dele a “opção fundamental” da sua vida.

O texto é estruturado em duas partes: a primeira, mais teórica, unifica os conceitos de ‘eros’ (amor entre homem e mulher) e ‘agape’ (a caridade, o amor que se doa ao outro); na segunda, centra-se na ação caritativa da Igreja, que apresenta como mais do que uma mera forma de “assistência social”, mas como uma parte essencial da sua natureza.

‘Spe salvi’ (Salvos na esperança) é o título da segunda encíclica de Bento XVI, de 2007, dedicada ao tema da esperança cristã, num mundo dominado pela descrença e a desconfiança.

“O homem tem necessidade de Deus, de contrário fica privado de esperança”, pode ler-se num texto que cita, entre outros, Platão, Lutero, Kant, Bacon, Dostoievski, Engels e Marx – ao criticar o “materialismo” marxista.

Depois de negar que Jesus tenha trazido uma mensagem “socio-revolucionária”, Bento XVI abordou a questão da evolução para afirmar que “a vida não é um simples produto das leis e da casualidade da matéria, mas em tudo e, contemporaneamente, acima de tudo há uma vontade pessoal, há um Espírito que em Jesus se revelou como amor”.

A terceira encíclica, ‘Caritas in Veritate’ (A caridade na verdade), publicada em 2009, propõe uma nova ordem internacional, para governar a globalização e superar as sucessivas crises, apontando como prioridade a “reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitetura económica e financeira internacional”.

Bento XVI propôs “uma nova e profunda reflexão sobre o sentido da economia e dos seus fins, bem como uma revisão profunda e clarividente do modelo de desenvolvimento”.

Em 2012, Joseph Ratzinger encerrou a sua trilogia sobre ‘Jesus de Nazaré’ com um livro sobre a infância de Cristo.

A 18 de abril, Bento XVI tornou-se o terceiro Papa a discursar na sede da ONU, depois de Paulo VI, em 1965, e João Paulo II, em 1979 e 1995.

A promoção dos direitos humanos continua a ser a estratégia mais eficaz para eliminar a desigualdade entre os países e os grupos sociais, como também para construir um maior sentimento de segurança”, afirmou, numa intervenção longamente aplaudida, em Nova Iorque.

Entre os temas centrais do pontificado estiveram as críticas ao relativismo e ao secularismo da sociedade ocidental, a preocupação com as questões bioéticas – aborto, eutanásia, investigação em embriões – e da família, para além da crise financeira e das questões ecológicas.

Face à crise provocada pelos casos abusos sexuais cometidos por membros do clero ou em instituições católicas de vários países, Bento XVI encontrou-se com vítimas em várias viagens, demitiu bispos e reformou a legislação da Igreja, neste campo.

A 8 de fevereiro de 2022, o Papa emérito divulgou uma carta, após acusações de má gestão de casos de abusos sexuais, enquanto arcebispo de Munique, pedindo perdão a todas as vítimas destas situações.

Neste pontificado foram canonizados 44 santos em 10 cerimónias, incluindo o português Nuno de Santa Maria, D. Nuno Álvares Pereira, a 26 de abril de 2009; Portugal passou a contar também com duas novas beatas: Rita Amada de Jesus (beatificada a 28 de maio de 2006, em Viseu) e a Madre Maria Clara (21 de maio de 2011, Lisboa).

Nos 2872 dias do seu pontificado, Bento XVI escreveu 17 cartas apostólicas sob forma de motu proprio,116 constituições apostólicas e 144 cartas apostólicas, além de outras cartas e mensagens, discursos e homilias.

A 28 de junho de 2016 fez-se história no Vaticano com o regresso do Papa emérito Bento XVI ao palácio apostólico, para uma homenagem por ocasião do seu 65.º aniversário de ordenação sacerdotal.

Já o Papa Francisco, que visitou regularmente o seu antecessor, afirmou num texto de homenagem ao seu predecessor que a Igreja Católica tem uma “grande dívida” para com Bento XVI.

A 29 de junho de 2021, Francisco assinalou o 70.º aniversário de sacerdócio de Bento XVI, agradecendo pelo seu testemunho de vida e de oração pela Igreja.

“Obrigado, Bento, querido pai e irmão, obrigado pelo teu testemunho credível, obrigado pelo teu olhar continuamente dirigido para o horizonte de Deus. Obrigado”, disse, no Vaticano.

(Com Ecclesia)

Noticia atualizada às 15h00

Scroll to Top