
O Dicastério para a Doutrina da Fé (DDF) publicou hoje a nota doutrinal sobre a Virgem Maria, em que se rejeita a proposta de um quinto dogma mariano, defendido por vários teólogos e outros responsáveis católicos, o título de “corredentora”.
“Levando em consideração a necessidade de explicar o papel subordinado de Maria a Cristo na obra da Redenção, é sempre inoportuno o uso do título de Corredentora para definir a cooperação de Maria. Este título corre o risco de obscurecer a única mediação salvífica de Cristo e, portanto, pode gerar confusão e desequilíbrio na harmonia das verdades da fé cristã”, indica o texto, intitulado ‘Mater Populi fidelis’ (Mãe do Povo Fiel).
A nota, com dezenas de páginas e quase 200 citações, aborda alguns “títulos marianos referidos à cooperação de Maria na obra da Salvação”.
Segundo o Vaticano, “quando uma expressão requer muitas e constantes explicações, para evitar que se desvie de um significado correto, não presta um bom serviço à fé do Povo de Deus e torna-se inconveniente”.
“Neste caso, não ajuda a exaltar Maria como primeira e máxima colaboradora na obra da Redenção e da graça, porque o perigo de obscurecer o lugar exclusivo de Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem por nossa salvação, único capaz de oferecer ao Pai um sacrifício de valor infinito, não seria uma verdadeira honra à Mãe”, indica o ponto 22 da nota doutrinal, aprovada pelo Papa Leão XIV.
Os quatro dogmas da Igreja Católica sobre Maria são a maternidade divina, a virgindade, a Imaculada Conceição e a Assunção.
Na apresentação do novo documento, o prefeito do DDF, cardeal Víctor Manuel Fernández, explica que a nota responde a “numerosas consultas e propostas que chegaram à Santa Sé” e a “solicitações de dogmas marianos” que, divulgando-se “intensamente através das redes sociais”, acabam por despertar “dúvidas nos fiéis mais simples”.
“Não se trata de corrigir a piedade do povo fiel de Deus que encontra em Maria refúgio, fortaleza, ternura e esperança, mas, sobretudo, de a valorizar, admirar e encorajar”, assinala o responsável, que assina a nota juntamente com monsenhor Mons. Armando Matteo, secretário para a secção doutrinal da DDF.
O título de “corredentora” é abordado dos pontos 17 a 22, recordando que o Concílio Vaticano II o evitou e que o então cardeal Joseph Ratzinger (futuro Papa Bento XVI) considerou, em resposta a um pedido do movimento ‘Vox Populi Mariae Mediatrici’ para uma definição do dogma de Maria como corredentora ou medianeira de todas as graças que “o significado preciso dos títulos não é claro e a doutrina neles contida não está madura” (1996).
A nota recorda também a posição “claramente contrária” do Papa Francisco, segundo o qual Maria “nunca se apresentou como corredentora”, mas como “discípula”.
Relativamente ao título “Medianeira”, abordado nos pontos seguintes, a nota recorda a afirmação bíblica “perentória” de que Cristo é o único mediador.
“O cardeal Ratzinger expressou que o título de Maria medianeira de todas as graças não era claramente fundado na Revelação, e em sintonia com essa convicção podemos reconhecer as dificuldades que este título implica tanto na reflexão teológica como na espiritualidade”, observa a DDF.
O documento admite, no entanto, que existe um uso muito comum da palavra “mediação” nos mais diversos âmbitos da vida social, onde é entendido simplesmente como “cooperação, ajuda, intercessão”.
Esta cooperação é entendida como uma intercessão e uma “ajuda materna”, que “de modo algum ofusca ou diminui” a centralidade de Cristo.
A nota defende que se evitem os títulos e expressões referidas a Maria que a apresentem como uma espécie de “para-raios” diante da justiça do Senhor, como se “fosse uma alternativa necessária diante da insuficiente misericórdia de Deus” e alude também ao título “Mãe da graça”.
“Não podemos pensar que este mistério [da Graça] pode estar condicionado a uma ‘passagem’ através das mãos de Maria. Imaginários deste tipo enaltecem Maria de tal modo que a centralidade do mesmo Cristo pode desaparecer ou, pelo menos, ser condicionada.”
A nota fornece uma base bíblica para a devoção a Maria, além de reunir várias contribuições dos primeiros pensadores da Igreja, dos elementos da tradição oriental e do magistério dos últimos pontífices.
Face a fenómenos sobrenaturais que receberam ou venham a receber um juízo positivo por parte da Igreja e nos quais aparecem algumas das expressões ou títulos citados, a DDF determina que se tenha em conta que “tais fenómenos não se tornam objeto de fé, isto é, os fiéis não são obrigados a prestar-lhes um assentimento de fé”.
O texto, que reflete sobre a dimensão maternal da Virgem, reafirma Maria como a “primeira discípula” e “modelo e exemplo do que Deus quis realizar em cada pessoa”.
(Com Ecclesia e Vatican News)