O culto ao Divino Espírito Santo é um culto “muito ao jeito do século XXI e do Papa Francisco”, afirma o historiador Francisco Maduro Dias

Este fim de semana, nos Açores, as ilhas vestem-se de vermelho para honrar a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade

Celebrar o Espírito Santo é celebrar a “vitória do amor e da concórdia”, por isso, este culto “tão vivo nos Açores” é “tão ao jeito do Papa Francisco”, afirma o historiador Francisco Maduro Dias, numa entrevista ao Sítio Igreja Açores.

“Enquanto o Santo Cristo é claramente tridentino, numa espécie de Deus ali e eu aqui, ajoelhado e Deus lá afastado; no Espírito Santo é Deus connosco. Aquilo que o Papa Francisco nos pede para experimentar: o Deus do amor, da misericórdia que está em cada um de nós, a zelar por cada um de nós”, afirma o investigador.

“Quando recebemos o Espírito Santo estamos a receber Deus em casa de uma forma concreta e nós precisamos de concretizar as coisas, nos nossos dias” esclarece sublinhando que “Cada coroa é o Espirito Santo, mas o facto de eu ter uma coroa em casa não quer dizer que outra pessoa não tenha também e portanto, ao mesmo tempo estamos a partilhar Deus, se assim se pode dizer”.

“É Deus em toda a parte”, conclui o historiador que tem feito alguns trabalhos sobre esta temática, a “única que une verdadeiramente os açorianos”.

O último trabalho foi a “construção” da primeira exposição virtual sobre o Espírito Santo, no site da  Rede de Museus e coleções visitáveis dos Açores, com um guião do Cónego Hélder Fonseca Mendes, Vigário Geral da Diocese e textos do Pe. José Júlio Rocha, Prefeito de Estudos no Seminário Episcopal de Angra.

“Às vezes arrepio-me quando vejo a modernidade disto: o sacrifício terá feito sentido no século XVIII, mas o Espírito Santo é muito mais do que isso. Para mim o Espírito Santo é profundamente racional porque apela à concórdia e a um estar com Deus mas destruindo paredes, Deus connosco. Para mim é claramente a vitória da harmonia e da partilha, criando um conjunto de relações onde todos se deem bem”.

“É um culto que encaixa bem na realidade do seculo XXI”, refere ainda em jeito de conclusão lembrando que as festas associadas a este culto podem ter uma ameaça no individualismo.

“Apesar das tentativas de apropriação deste culto, sobretudo do poder político, julgo que a procura da diferença que está a estilhaçar a nossa sociedade, valorizando a diferença pela diferença e não a diferença como forma de complementaridade, pode afetar a vivência deste culto perdendo-se o sentido comunitário do mesmo”, conclui o historiador.

“Não consigo avaliar a força da Irmandade diante da força do individuo”, remata.

Nos Açores existem centenas de irmandades do Divino Espírito Santo, todas com estatuto jurídico próprio seja civil seja canónico. A mais antiga remonta a 1492 e é a Irmandade do Santo Espírito de Angra, que mais tarde ficaria ligada à Misericórdia.

A maioria das irmandades nasceu no século XVII e hoje continua viva.

“O traço identitário destas irmandades é que elas têm sempre dois fins: o culto ao Espírito Santo e a dimensão caritativa de dar esmolas aos pobres. Por isso é difícil dizer se as irmandades são de ordem cultual ou sócio caritativa mas, de facto o que atravessa sempre estas irmandades são os atos de culto e de louvor ao Espírito Santo” adianta o cónego Hélder Fonseca Mendes, numa entrevista ao Sítio Igreja Açores.

O sacerdote, doutor em Teologia Pastoral com uma tese sobre o Espírito Santo, reconhece que muitas vezes se valorizam aspetos que não são tradicionais e que a vigilância que, de vez em quando, é reclamada para que se mantenha a tradição, não deve ser vista como uma forma impositiva de regulação exterior mas como um contributo para que a tradição do Espírito Santo seja preservada. Aliás, a este propósito, o Cónego Hélder Fonseca Mendes rejeita qualquer tipo de apropriação deste culto, sobretudo do ponto de vista político.

“As coroações mais pobres são as das cidades. Por outro lado, as manifestações mais sinceras- de celebração do Espirito Santo- são as que os turistas não veem, que as cidades não promovem. As mais entusiasmantes são as que se fazem de forma sincera, no anonimato, respeitando apenas a razão que é o voto que leva aquela manifestação. Este é o mais verdadeiro” afirma.

“São casos que vemos não como propaganda mas como algo de muito genuíno pois

o melhor Espírito Santo é o que é feito a partir da vida interior e da fé. Se falta isso é um bocado plástico”, esclarece, sublinhando que “quem faz uma promessa” ou “tira um pelouro” fica “com a vida implicada o resto do ano”.

“Servir o Senhor Espírito Santo significa que a casa fica cheia naquele ano”, conclui.

Interpelado sobre a relação da Igreja com este culto, intimamente ligado à religiosidade popular açoriana, o sacerdote lembra que uma das partes mais importantes da festa acontece na Igreja, com a coroação. E, o facto de por vezes haver alguma desconfiança da Igreja em relação à festa, a verdade é que “o padre nunca é dispensado”.

“Às vezes pode parecer que o Espirito Santo é do povo e não da Igreja, mas a verdade também é que, também se ouve dizer, que se alguma coisa correr mal e a irmandade acabar , é ao padre que se entrega a chave do império”.

“É esta ambiguidade que é preciso atender, sem complexos”, conclui.

A partir deste sábado e até ao domingo da Trindade, os Açores, em especial as ilhas do grupo central estão em festa, celebrando a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Mais de cem impérios serão “levantados” nas ilhas Terceira, São Jorge, Pico e Faial e também em Santa Maria e nas Flores. Também em São Miguel várias coroações terão lugar durante este período.

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