Ilhas do Triângulo fervilham de entusiasmo na preparação dos impérios de Pentecostes

A Casa do Espírito Santo do Topo, na ilha de São Jorge está ao rubro desde segunda-feira. Fazem-se os doces e preparam-se as iguarias para a festa de domingo, que já começou na segunda e tem no sábado a primeira coroação. Parece confuso, mas não é. Verónica Silveira e o marido são os mordomos deste ano. Ele era ajudante e não tinha a “obrigação de fazer a festa” que é um dever dos irmãos, mas uma promessa feita há dois anos atirou-os para a organização da deste ano.
“Ao final do dia de sábado temos a coroação do Império para a Igreja e dali para a Casa do Espírito Santo onde se distribuem as esmolas”, que consistem no pão, no vinho e num pedaço de carne. No dia seguinte vem o almoço das tradicionais sopas, que não podem nem faltam em nenhum império ou mordomia. Umas mais abertas a toda a comunidade, como em Santa Maria, outras por convite aos irmãos e familiares, mas nos Açores é assim que se celebra a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade.
Entre este fim de semana de Pentecostes e o próximo, o da Trindade, somam-se impérios em todas as ilhas, mas é nas do Grupo Central que a tradição permanece de forma mais intacta. O Dia de Bodo na terceira, é porventura, o mais importante do ano e no Pico nesta semana há cerca de 45 Impérios espalhados por todas as paróquias.
O de São Mateus é um deles. O Mordomo é sempre um irmão que escolhe a direção do Império e organiza-o nesse ano. Antes o seu nome tem de ser eleito entre o dos irmãos da Irmandade. Dimas Baptista, irmão há 15 anos, coube-lhe a sorte deste ano.
“Tem sido uma azáfama. Todos ajudam e esta quinta feira já começamos na parte logística”. No império de São Mateus, depois da coroação servem-se as sopas na Casa do Povo. Serão cerca de 500 comensais. Sopa, carne assada e arroz doce, será a iguaria mais servida durante o fim-de-semana. Em São Mateus, para o arraial estão prometidas rosquilhas.
“É uma honra servir o Espírito Santo. Estamos muito contentes pela festa estar a nosso cargo este ano” refere, sublinhando a ajuda de todos.
“Ninguém se nega a ajudar. Contamos com todos, todos, todos” referiu ainda, porque a festa “também é para todos. Ninguém fica sem rosquilha” salienta Dimas Baptista.
Regressamos a São Jorge para ver outra tradição. Do Topo aos Rosais a distância não é muita mas a tradição é bem diferente.
“Não sei quem a introduziu mas acho que remonta ao tempo dos cavaleiros que protegiam a rainha Santa Isabel. Aqui também temos cavaleiros , os primeiros do cortejo que abrem a `ramada´” diz Márcia Garcia, que este ano com o marido assume o império dos Rosais. Também foi uma promessa e até os filhos já participam da parte religiosa e das brincadeiras .
A `ramada´ serve como um espaço de movimento e passagem durante as celebrações religiosas, especialmente nos Domingos de Pentecostes e Santa Trindade. Desempenha um papel central na representação da festa do Espírito Santo, incluindo a recriação da tradição de servir um banquete.
“A festa começou no domingo da ascensão com a chegada do Espirito Santo, a reza do terço diária e depois com a confeção dos bolos , em especial da rosquilha grande, muito pesada, pois é confecionada com cerca de 7 quilos de farinha”, diz a mordoma. Só sairá à rua no domingo depois da coroação e das sopas, servidas à moda dos rosais, após a coroação na Igreja.
Não há localidade açoriana que por estes dias não viva a festa do Divino. As festas do Espírito Santo fazem parte da alma dos Açorianos! Este culto secular potencia a vivência de atitudes e valores verdadeiramente humanistas e solidários, como seja a distribuição de alimentos pelos mais pobres, as refeições oferecidas a todas pessoas e o convívio entre vizinhos e amigos. No Império da Partilha ou do Amor, como muitos lhe chamam, os homens e as mulheres são convidados a viver a utopia da solidariedade, concretizando o sonho de uma sociedade livre, fraterna e feliz. Hoje este culto está presente em cada uma das comunidades açorianas presentes na América, no Canadá, no Brasil e noutras longínquas paragens. Em cada uma delas expressa-se a devoção ao Divino e transformam-se em vida os traços desta identidade que também é cultural.
Na ilha Terceira, as festas têm uma força “muito original” e são vividas sobretudo na zona do Ramo Grande, onde a economia continua a ser predominantemente agrária, sendo bastante conhecidos, por exemplo, os impérios da Vila Nova e das Lajes pelo número de pessoas envolvidas.
A capacidade de inserção numa cultura agrária explica, de resto, a sua permanência tão viva nos Açores: a valorização da terra de onde vem o trigo e o milho a partir dos quais se faz o pão, o vinho e a carne, aspetos nos quais se materializam os dons do Espirito Santo.
A peculiaridade principal deste culto no arquipélago é ser popular e desenvolver-se sob a forma de império, com uma forte carga profética e política, sem qualquer pretensão de imitação de papéis ou destituição de poderes.
Quando se instituíram as Santas Casas da Misericórdia na ilha Terceira, a de Angra, em 1495, e depois a da Praia, em 1498, instalam-se nos templos do Espírito Santo, acabando por se tornar as responsáveis pela organização dos bodos no dia de Pentecostes, facto que não afetou a criação de irmandades em todas as freguesias destes dois concelhos.
As festas do Espírito Santo nos Açores possuem uma estrutura tradicional comum mas apresentam bastantes variantes entre as várias ilhas do Arquipélago e, dentro da mesma ilha, entre os vários Impérios.
O ciclo das festividades é, no entanto, comum. Este domingo e no próximo vivem-se os bodos e no final do bodo do próximo domingo tiram-se “as sortes” para conhecer os irmãos que vão ficar com as domingas, sete, do próximo ano. Quem tirar a primeira “dominga” ficará com o Espírito Santo todo o ano em Casa, ou seja, a Bandeira e a Coroa ficarão na casa desse irmão, em lugar de destaque, durante um ano.
Dia dos Açores
O dia dos Açores, a designada `segunda-feira da pombinha´ será celebrado no concelho da Praia da Vitória, no auditório do Ramo Grande. A sessão solene decorre às 10h30 e contará com a presença dos presidentes do Governo e do parlamento.
Nesta cerimónia serão distinguidos, entre outros o padre João Caetano Flores.
O Espírito Santo é uma festa em que a “igualdade é obrigatória sem perda da identidade de cada um”