“Outra vez” – a boa história que nunca cansa

Por António Pedro Costa

Foto: António Pedro Costa/IA

Há histórias que não se gastam com o tempo. Pelo contrário, quanto mais são contadas, mais vivas se tornam. São como aquelas histórias que as crianças pedem antes de adormecer. Mal a última frase termina, já com os olhos ensonados, dizem logo, sem hesitar: “outra vez”. Não porque não tenham percebido, mas porque querem voltar a sentir.

O Natal é esta história. A boa história. A que atravessa séculos, geografias e gerações, e que, ano após ano, continua a ser pedida: “outra vez”. Outra vez o Menino. Outra vez a noite. Outra vez a luz pequena que vence a escuridão.

Conta-se que nasceu um Menino. Não num palácio, nem entre sedas e guardas, mas num pobre lugar improvisado, quase esquecido. Um estábulo. Um canto do mundo onde ninguém esperaria que algo grande acontecesse. E, no entanto, foi ali. Como nas boas histórias, o essencial começa sempre onde ninguém está à espera.

Há a jovem Maria, com o coração cheio de perguntas e confiança. Há José, silencioso, firme, guardião do que não compreende totalmente, mas aceita. Há pastores, homens simples, de mãos calejadas e vida dura, que são os primeiros convidados. Há anjos, mensageiros a anunciar que o medo pode dar lugar à alegria. E há uma estrela, insistente, a dizer que vale a pena caminhar, mesmo sem saber bem onde se vai chegar.

É uma história conhecida. Tão conhecida que corremos o risco de a ouvir sem a escutar. Mas as crianças ensinam-nos outra coisa: quando uma história é boa, nunca se cansa. Cada repetição revela um detalhe novo. Um gesto que não tínhamos visto. Um silêncio que fala mais alto. Um sentido escondido que só agora se deixa descobrir.

No nascimento do Menino Jesus, repete-se uma verdade antiga e sempre nova, ou seja, Deus escolhe a fragilidade. Escolhe o choro em vez do poder, a dependência em vez da força, o colo em vez do trono. Escolhe precisar de braços humanos para ser carregado. E isso muda tudo.

“Outra vez”, dizemos nós no Natal. Outra vez queremos ouvir que a esperança pode nascer em tempos difíceis. Que a luz não precisa de ser grande para ser verdadeira. Que um começo humilde pode transformar o mundo. Outra vez precisamos que nos lembrem que ninguém é pequeno demais para crentes e não crentes fazerem parte desta história.

Talvez seja por isso que voltamos sempre a esta boa história. Porque nela nos reconhecemos. Também nós vivemos em estábulos improvisados: rotinas cansadas, preocupações, ausências, medos. Também nós esperamos sinais no céu, respostas, caminhos. E a história do Menino diz-nos, com a paciência das boas histórias, que Deus entra exatamente aí. Não espera que a casa esteja arrumada. Entra como está.

E como as crianças, cada Natal escutamos de novo, mas já não somos os mesmos. A história é igual, mas nós é que mudámos. O Menino cresce connosco, fala-nos de maneira diferente em cada etapa da vida. Quando somos crianças, é ternura. Quando somos adultos, é desafio. Quando estamos cansados, é consolo. Quando estamos perdidos, indica-nos a direção.

No fundo, o Natal não é apenas recordar o que aconteceu. É permitir que aconteça outra vez. Que o Menino nasça de novo, não apenas numa manjedoura distante, mas dentro de nós, mormente nas escolhas, na forma como olhamos o outro, na maneira como acolhemos quem chega sem nada.

Por isso, quando a história termina, quando a estrela parece apagar-se e os pastores regressam aos descampados, algo em nós ainda pede “outra vez”. Conta-nos de novo. Precisamos de ouvir. Precisamos de acreditar. Precisamos de lembrar que, mesmo no silêncio da noite, Deus continua a nascer.

 

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