Padroeiro da Vila sai à rua este domingo acompanhado de mais 11 imagens de Santos

Procissão com patronos de ofícios é uma das mais tradicionais da ilha

Vila Franca do Campo, volta a trazer à rua o seu padroeiro São Miguel Arcanjo este domingo, numa festa que remonta aos primórdios em que era a capital da ilha.
No cortejo processional de domingo, denominado como Procissão do Trabalho, tomam parte as imagens dos santos patronos (11) de diversas profissões e ofícios, mantendo-se, assim, a sua origem medieval em que as diferentes corporações, ofícios e profissões acompanhavam o seu protetor na procissão, sob pena de serem multados.

Desde sexta-feira à noite que os quartos estão abertos e visitáveis por todos os que queiram conhecer um pouco da tradição, sempre materializada num trabalho meticuloso que junta a imaginação com a história de cada santo,  alguns deles resultado de muito trabalho e criatividade, que só a enorme devoção popular podem justificar.

O trabalho é quase sempre resultado da conjugação de esforços entre as famílias que por terem alguém daquela profissão assumiram o santo como seu e hoje, ao fim de 10, 20 ou 30 anos continuam a levar até aos outros a sua devoção.

Que o diga a família Baptista que já nem consegue saber ao certo quando é que começou a tradição de enfeitar o quarto e o andor da Senhora do Egipto.

“Ao longo de 30 anos só saiu deste quarto por três vezes e foi por promessa” refere Tiago Baptista um dos elementos da família, já de terceira geração, e que ajuda sempre a pensar como é que o quarto e o andor são enfeitados.

“Dá trabalho mas é uma coisa de família” refere sublinhando que a Senhora do Egipto era a “santinha da Avó”, porque os avós além de uma mercearia tinham um burro e a Senhora do Egipto é patrona dos arrieiros.

“Era como se fosse da família”, diz ainda.

E é na família que a festa se faz e se vive, acrescenta por seu lado Isabel Furtado  que acolhe a imagem de São José há tantos anos que perdeu a conta, mas a tradição foi recuperada por ela e pela irmã há pouco mais de duas décadas.

Foto: Igreja Açores

“Estas coisas são sempre vividas em família e os de fora são como se fossem família também “ diz a guardião de São José.

Numa família onde havia ligação às madeiras, este era o santo de intercessão e hoje é o santo da devoção. O quarto é de um aprumo irrepreensível; tudo é cuidado ao detalhe, até o caminho de areia que este ano foi meticulosamente desenhado e se apresenta como a principal novidade.

Um pouco ao lado, na freguesia da Ribeira Seca, a tradição é honrar Santo Antão e este ano a imaginação trouxe uma lenda antiga: a da banha oferecida a Santo Antão porque livrou os porcos de males maiores.

Foto: Igreja Açores

Esta família de lavradores guarda a imagem do santo protetor dos animais “desde sempre”, diz Graça Pacheco.

Como a de São João, que agora já passou para o cuidado da geração mais nova.

António Pedro é quem idealiza o quadro que é como quem diz o quarto e o andor.

“As ideias vêm de um ano para o outro e eu imagino e crio e depois peço ajuda”. Desde 1994 que a imagem de São João está nesta casa, altura em que foi feita uma promessa para se acabar a habitação. Saíu dois anos para a Ribeira Seca mas a zeladora mantém-se apesar de agora contar com a ajuda do neto.

“É mais um membro da família”

Foto: Igreja Açores

A documentação da Câmara de Vila Franca do Campo no século XVII, segundo investigação desenvolvida pela professora Margarida Lalanda, revela que “a procissão de S. Miguel decorreu nalguns anos na última semana de setembro (cujo dia 29 é o seu e dos outros dois Arcanjos, S.Gabriel e S.Rafael), noutros no início de maio (por se celebrar no dia 8 uma aparição sua), e noutros não se realizou”, não se fazendo uma referência concreta à sequência das corporações ou se a procissão apenas contava com a imagem do Santo Padroeiro. Mas a voz popular diz que a ordem do cortejo é por antiguidade: os mais novos á frente os mais velhos atrás e isso é que dita a precedência dos andores.

O nome “Procissão do Trabalho” foi-lhe atribuído em 1927 por um vilafranquense ilustre, Padre Ernesto Ferreira, no seu livro A Alma do Povo Micaelense, e tem sido mantido, adianta ainda a investigadora, salientando o facto de há muito tempo esta procissão ter deixado de refletir a composição profissional e social da Vila.

“Deve entender-se agora mais como um registo histórico-etnográfico do que como um espelho da realidade vivida ou definida” frisa recordando, ainda, o empenho das autoridades civis para que a procissão se mantivesse, hoje “felizmente, graças ao esforço coletivo dos moradores e das entidades de Vila Franca do Campo”, que permite que esta procissão figure  no calendário anual dos roteiros de Turismo Cultural da ilha de São Miguel e atraia também alguns forasteiros.

A procissão, que chegou ao século XXI, integra este ano 11 imagens dos oragos de diferentes ocupações e profissões, tradicionais ou adicionadas na época contemporânea, que precedem o andor do Arcanjo(o 13º andor) são enfeitadas e transportadas em nome das atividades seguintes: São Pedro Gonçalves e o seu barco, pescadores; Santo Antão, lavradores; Santo António, oleiros; São Nuno de Santa Maria, o Condestável, profissionais liberais; Santa Catarina de Sena, barbeiros; São José, carpinteiros; São Crispim, sapateiros; São João Batista, pedreiros; Nossa Senhora da Paz, militares;  Nossa Senhora do Egipto, arrieiros e albardeiros; Menino Jesus, alfaiates; São Vicente de Paula, congregações vicentinas, de juventude e desfavorecidos.

A fechar a procissão dos Santos, depois de Nossa Senhora da Paz, estará o Arcanjo que “sai à rua empunhando espada e escudo com a insígnia Quis Ut Deus – ‘Quem Como Deus?’, a origem hebraica do nome Miguel. Mikeel, significa Mi (quem) Ke (Como) El (Ele Deus)”.

De todas estas imagens, apenas três estão durante o ano em templos religiosos (São Miguel, Menino Jesus e Senhora da Paz) estando as restantes em casa de famílias que as recolhem.

 

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