Papa Leão XIV e Cardeal Grech apelam à humildade e à comunhão no Jubileu das Equipas Sinodais

“Ninguém possui toda a verdade, todos devemos procurá-la juntos e humildemente.” A afirmação do Papa Leão XIV, na homilia conclusiva do Jubileu das Equipas Sinodais, em Roma, ecoou o apelo inicial do Cardeal Mario Grech à construção de uma Igreja enraizada no amor e na esperança.

Foto: Vatican Media

 

Na Basílica de São Pedro, diante de cerca de dois mil participantes de todos os continentes no Jubileu das Equipas Sinodais, o Papa Leão XIV reconheceu as tensões que atravessam a vida da Igreja entre unidade e diversidade, tradição e novidade, autoridade e participação e pediu humildade e compromisso.

“Essa atitude ajudar-nos-á a viver com confiança e com um novo ânimo as tensões que atravessam a vida da Igreja, deixando que o Espírito as transforme, para que não se tornem oposições ideológicas e polarizações prejudiciais”, afirmou.

O pontífice insistiu numa Igreja “de comunhão e serviço”, onde ninguém se considere dono da verdade: “Ninguém deve impor as próprias ideias, todos devemos ouvir-nos reciprocamente. Ninguém está excluído, todos somos chamados a participar.”

Leão XIV descreveu a Igreja como “sinal visível da união entre Deus e a humanidade”, e sonhou com uma comunidade humilde, que “se abaixa para lavar os pés da humanidade” e “se torna um lugar acolhedor para todos”.

O Papa alertou, na sua homilia, para as atitudes de superioridade e exclusão que Jesus questionou nas instituições religiosas do seu tempo.

“O mesmo também pode ocorrer na comunidade cristã. Acontece quando o ‘eu’ prevalece sobre o ‘nós’, gerando personalismos que impedem relações autênticas e fraternas; quando a pretensão de ser melhor do que os outros, como faz o fariseu com o publicano, cria divisão e transforma a comunidade num lugar de julgamento e exclusão; quando se aproveita da própria função para exercer poder e ocupar espaços”, advertiu.

“Comprometamo-nos a construir uma Igreja totalmente sinodal, totalmente ministerial, totalmente atraída por Cristo e, portanto, voltada para o serviço ao mundo.”

A homilia encerrou com uma citação do bispo italiano Tonino Bello, falecido em 1993, cujo processo de canonização está em curso, em oração dirigida à Virgem Maria: “Apaga os focos de facções, reconcilia as disputas mútuas, atenua as rivalidades, impede-as quando decidirem seguir por sua própria conta, negligenciando a convergência em projetos comuns”.

“Que o Senhor nos conceda esta graça: estar enraizados no amor de Deus para vivermos em comunhão uns com os outros. E sermos, como Igreja, testemunhas de unidade e amor”, concluiu.

O amor como estrutura da Igreja

O Cardeal Grech, secretário-geral do Sínodo, foi enfático logo no início dos trabalhos: “A eclesiologia que deriva da sinodalidade não é um conceito, mas uma forma de vida.”

Nas suas palavras, o amor é o único fundamento que subsiste “mesmo quando a vontade e o consenso falham”. A fé, acrescentou, ajuda a Igreja a viver a tensão entre tradição e futuro, e a esperança convida a permanecer confiantes, apesar das fragilidades.

“A esperança remete-nos para um trabalho inacabado, mas confiante, porque estamos nas mãos de Deus. Nós somos a Igreja — e acreditamos nela.”

O discurso do cardeal, Secretário-geral do Sínodo, situou o coração da sinodalidade na comunhão que não se constrói a partir da uniformidade, mas da escuta e do reconhecimento mútuo, respeitando diferenças e assumindo-as como a diversidade na unidade, sem que elas possam traduzir-se num “ficar tudo como dantes”. Aliás, o mais alto responsável por este processo em que “as pessoas são o mais importante”, referiu que a busca da unidade não pode, contudo, deixar tudo na mesma.

Sinodalidade como profecia social

Mariana Aparecida Venâncio, teóloga  brasileira doutoranda, a primeira a usar da palavra nos trabalhos plenários, descreveu a sinodalidade como uma “profecia social”, um testemunho que desafia o individualismo e a cultura do descarte. “A escuta atenta, generosa e vulnerável, que valoriza cada voz, especialmente a dos marginalizados, é já um ato transformador”, disse.

O Padre Miguel de Salis Amaral, professor de Teologia na Ponteficia Universidade de Santa Cruz, desenvolveu a dimensão relacional da conversão: “O Batismo funda uma fraternidade essencial entre todos, base da corresponsabilidade na missão comum. O ministério ordenado não é um poder, mas um serviço à vida do Povo de Deus.”

Sem esconder as tensões inerentes ao caminho, o cardeal polaco Grzegorz Ryś lembrou a tensão entre o personalismo exacerbado (o “eu”) e a dinâmica comunitária (o “nós”); a tentação de confundir a unidade autêntica, que valoriza a diversidade como riqueza (harmonia), com uma uniformidade imposta que a anula (que não é mais do que uma ofensa contra Deus, a Igreja e a pessoa); e a tensão entre a necessária preservação da identidade eclesial e o impulso missionário de sair ao encontro de todos, sem exceção (“Todos, todos, todos!”).

O Cardeal polaco foi claro: estas tensões não se resolvem com meras reformas estruturais, mas exigem uma profunda “conversão” pessoal e comunitária, um “morrer” para o orgulho, o abuso de poder e o medo, para abraçar a vida nova do Ressuscitado no Espírito de amor. Só assim a Igreja poderá ser fermento de reconciliação.

A voz açoriana: inquietação e esperança

A delegação portuguesa, composta por 27 pessoas de nove dioceses, sublinhou a importância de manter viva “a inquietação da esperança”.

“Neste Jubileu das Equipas Sinodais, que reúne em Roma peregrinos da esperança, ouve-se com particular força o apelo a aprofundar o caminho de uma Igreja sinodal. Num mundo sedento de maior fraternidade, a Igreja oferece o seu testemunho de caminhar em conjunto, escutando o Espírito e discernindo os passos a dar” refere um texto da equipa Sinodal da Conferência Episcopal Portuguesa, que integra uma açoriana.

“A sinodalidade, vivida autenticamente como escuta mútua e do Espírito, como conversão das relações e como serviço humilde à missão, não é uma teoria distante, mas um caminho concreto” refere a equipa sinodal da CEP.

“Uma Igreja que aprende a caminhar com os outros, a curar as suas feridas e a colocar-se ao serviço da vida, torna-se um farol de esperança num mundo que anseia por paz, justiça e fraternidade. O convite é, pois, a entender e viver a sinodalidade como um estilo de vida. Cremos que é este o desafio lançado neste Jubileu: deixarmo-nos transformar por este dinamismo sinodal, para sermos, todos e cada um, a levedura paciente e eficaz que faz fermentar a massa de um futuro mais justo e reconciliado”, conclui.

Francisco Medeiros, da equipa sinodal de Angra, afirmou por seu lado que “estar em Roma é redescobrir o que significa ser Igreja como povo de Deus, num tempo de escuta e confirmação da esperança”.

O padre Júlio Rocha, Vigário Episcopal para o Clero, advertiu que “a fase mais difícil é a da implementação: não basta sonhar, é preciso agir”.

Ambos defenderam que a sinodalidade é “uma conversão contínua e irreversível”

“Já não há volta a dar. A Igreja aprendeu a escutar e agora temos de nos preparar para a missão”, conclui o padre José Júlio Rocha.

Um episódio relatado por um  participante num dos grupos de língua portuguesa ilustrou essa conversão: uma mulher leiga orientou, com naturalidade, um grupo de padres, diáconos e consagrados, sinal de uma Igreja que “já é sinodal”, cabendo a cada um “que se deixou converter contagiar outros”.

Os membros da Equipa Sinodal de Angra para além de integrarem os grupos de trabalho seguindo o método da conversação do espírito, com representantes dos cinco continentes, participaram em dois seminários e workshops sobre a espiritualidade sinodal com o Cardeal Virgilio Siongco David, presidente da Conferência Episcopal Filipina, que falou sobre a importância das estruturas de sinodalidade serem espaços de escuta, comunhão e decisão; o cardeal Jean-Claude Hollerich, do Luxemburgo, sobre a Conversação do Espírito e ainda, no workshop sobre pastoral em chave sinodal com o teólogo Rafael Luciani, da CELAM- Conselho Episcopal Latino Americano e Caribenho.

A delegação portuguesa neste evento jubilar contou com 27 pessoas, nomeadamente os membros da equipa sinodal da Conferência Episcopal e representantes de nove dioceses: Angra, Aveiro, Beja, Évora, Funchal, Leiria-Fátima, Lisboa, Setúbal e Viseu.

A última Assembleia Geral do Sínodo, cuja segunda sessão decorreu de 2 a 27 de outubro de 2024, teve como tema ‘Por uma Igreja sinodal: participação, comunhão, missão’; o processo começou com a auscultação de milhões de pessoas, pelas comunidades católicas, em 2021, e a primeira sessão sinodal decorreu em outubro de 2023.

Francisco promulgou o documento final e enviou-o às comunidades católicas, sem publicação de exortação pós-sinodal, uma possibilidade prevista na constituição apostólica ‘Episcopalis communio’ (2018), tendo ainda convocado uma inédita Assembleia Eclesial, para 2028.

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