Porque não foram todos de férias?

Por Carmo Rodeia

 

Quatro meses depois do incêndio do Pedrógão Grande que matou 65 pessoas, o Governo decretou três dias de luto nacional por mais 38 vidas perdidas para o fogo e 62 feridos, 15 dos quais em estado considerado muito grave. Além dos avultados danos materiais, entre eles 80% do pinhal de Leiria, um dos pulmões da região centro, sobram os mortos, os feridos e as consequências políticas.

António Costa falou ontem ao país e garantiu que, “depois deste ano, nada pode ficar como dantes” e que vai aplicar, com urgência, as recomendações da comissão técnica independente que fez o relatório sobre Pedrógão Grande. Reafirmou que seria “infantil” demitir a ministra e no país adulto, que Costa quer que todos sejamos, há quem brinque com o povo: “Se me tivesse demitido teria ido de férias, que não tive” ou “as populações têm de ser proactivas e não ficarem à espera dos bombeiros ou dos helicópteros com meios aéreos”.

Importam-se de repetir, por favor?

O Primeiro-ministro, ministra e secretário de Estado pediram “atitude madura”, “proactividade” e “resiliência”, que é o mesmo do que pedir paciência. Mas, ninguém pediu desculpa. Para quê? O povo “tem que ter uma atitude madura”, tem de ser “resiliente” e ser “proactivo”.

Quatro meses depois, nada, ou quase nada mudou neste país de seca severa. A ministra da Administração Interna é a mesma e o comandante da Proteção Civil foi demitido por causa de uma licenciatura. O Governo ficou quatro meses à espera das conclusões da Comissão Técnica Independente que António Costa prometeu, ontem, implementar. Só para relembrar : criação de uma agência que faça prevenção e combate, bombeiros profissionais no combate ao fogo e guerra ao fogo durante todo o ano. Leu bem: todo o ano. Só que para o Governo o ano termina a 1 de outubro, nem mais um dia e, portanto, a desmobilização dos meios foi total. Tão completa como a falta deles em junho, porque a época dos incêndios só começava oficialmente a 1 de julho. Sim, porque estas coisas decretam-se, porque  os efeitos das alterações climáticas é uma invenção dos chineses, como dizia o outro.

Apesar dos avisos meteorológicos para o calor e até para um furacão, houve falta de meios no terreno, populações isoladas a lutar sozinhas, pelos próprios meios, problemas de comunicação entre as autoridades, o Siresp voltou a falhar, estradas e autoestradas em chamas que não foram cortadas por inação ou  incompetência, “um caos”, o “inferno”.

Ou seja, falhou quase tudo e quase tudo é para mudar, como titulava hoje um diário.

Recordo o Eça de Queiroz quando dizia que em Portugal “não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento político das nações.

A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse”.

O governo que já tinha perdido a vergonha, agora perdeu a cabeça. Por menos já teria rolado alguma, como rolaram no passado. A demissão da ministra não é, certamente, a solução de todos os problemas, como dizem alguns. Mas seria a solução para um deles: repor uma réstea de bom senso na falta de responsabilidade e de vergonha na governação.

O triste espetáculo a que todos assistimos nas últimas horas faz-nos corar de vergonha. Só mesmo à bengalada, meu caro Eça.

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