O padre José Júlio Rocha é o convidado do programa de rádio Igreja Açores, no mês em que a diocese celebra o Jubileu dos Sacerdotes, e fala dos problemas e dos desafios do sacerdócio, num mundo onde há uma nova ordem social e o padre está mais exposto e mais vulnerável

O sacerdócio hoje depara-se com uma bifurcação: ou se é predominantemente institucional ou se é profeta e para se ser profeta tem que se ser nómada e ter o coração esvaziado, apenas centrado em Jesus, afirma o Vigário Episcopal para o Clero numa entrevista ao programa de rádio Igreja Açores, que vai para o ar este domingo depois do meio dia, no Rádio Clube de Angra e na Antena 1 Açores.
“Ser padre é namorar com Jesus, independentemente do que namorar significa. É viver uma vida íntima constante com Jesus, em constante espírito de oração e de conversão pessoal. É a primeira exigência que se deve fazer um padre” refere o padre José Júlio Rocha, que aposta todas as fichas na fraternidade sacerdotal como forma de ultrapassar algumas das dificuldades que os sacerdotes sentem como a solidão, o isolamento e até o escrutínio social.
“O grande testemunho que um padre dá da sua felicidade na sua vocação é a amizade com os colegas. Não há pior do que um leigo ou um grupo de leigos ouvir um padre falar mal dos colegas, criticar alguém que seja seu colega de uma forma barata, isto não é nada simpático e cria a ideia de divisão e como nós sabemos, a divisão, não a diferença, mas a divisão, são o maior inimigo da Igreja” afirma o sacerdote.
“Precisamos reforçar a unidade na diversidade que nós somos e precisamos que os sacerdotes reaprendam a gostar de si mesmos” enfatiza.
“A fraternidade sacerdotal é o combustível básico para a eficácia do sacerdócio” insiste sublinhando que a questão da fraternidade, nos Açores, por causa da geografia ganha até “uma dimensão maior”.
“Há uma imensa solidão a que muitas vezes os sacerdotes são sujeitos não só por viverem sozinhos, não só por chegarem a casa e não terem ninguém a quem abraçar, a quem dizer boa noite, com quem conviver, quer dizer, os problemas que trazem da sua missão, da sua pastoral, trazem-nos com eles para a noite, dormem com eles sozinhos e muitas vezes a tentação é de criar pequenos grupos, que muitas vezes são traumáticos, muitas vezes são grupos que se formam em antagonismo em relação a outros grupos”, alerta.
“Sabemos que longe da vista, longe do coração e um padre que vive nas Flores, na Graciosa no Corvo, em Santa Maria, estará longe, apesar das novas tecnologias hoje permitirem outra proximidade. Sabemos que essa proximidade é sempre insatisfatória; o encontro cara a cara, o toque, o abraço, não tem nada a ver com a distância e realmente os Açores vivem este drama” reflete reconhecendo que os padres, quando saem do Seminário não estão preparados para isto.
“O Seminário, em geral, continua a ser uma instituição, digamos assim, um bocadinho segregadora, que reúne os seminaristas durante pelo menos seis anos fechados, a viver tudo em comum e a obedecer a uma regra que lhes é imposta de cima, para um momento em que depois da ordenação vão completamente sozinhos para um lugar onde ninguém manda neles e eles se tornam, portanto, os responsáveis, aqueles que mandam. Portanto, há aqui qualquer coisa de demasiado brusco e demasiado traumático na vida do sacerdote. E todos nós, padres, podemos dar exemplos da nossa vida, de como foram traumáticos os primeiros anos, os primeiros momentos da nossa vida sacerdotal”, afirma.
A diocese vive no próximo dia 22 o Jubileu dos Sacerdotes, no mês em que a Igreja celebra o Sagrado Coração e Jesus e as comunidades são chamadas a rezar especialmente pelos seus presbíteros, particularmente no dia 27 de junho, Dia do Sagrado Coração de Jesus em que se reza pela santificação dos padres, e se aguardam as novas colocações, o que sendo um momento normal na vida da diocese não deixa de causar alguma tensão.
“O padre é caminhante e portanto a sedentarização revista-se ela do que for, querer ficar neste lugar por força, ter refúgios a como agarrar, sejam eles psicológicos, sejam eles sociais, sejam eles físicos mesmo, são coisas, são alforges, são sacos e sacos que eu ponho em cima de mim que me impedem de caminhar” adverte o Vigário Episcopal para o Clero.
“Um dos grandes dramas que o clero enfrenta é talvez o sedentarismo, a institucionalização, o padre como o senhor sentado numa poltrona com uma coberta sobre os joelhos, umas pantufas nos pés, a ver o mundo passar” afirma o sacerdote.
“O padre, e isto é aquilo que muitas vezes não se entende, é e deve ser sempre uma pessoa inquieta, que vive o já e o ainda não. A felicidade do padre tem que estar na sua inquietude, na sua capacidade de ter uma mola debaixo dos pés que o faça saltar sempre que for preciso, não ficar parado”, explicita ainda.
“Jesus, quando mandou os discípulos em missão, disse apenas um cajado, um par de sandálias e uma túnica, nem alforges, nem nada, nem dinheiro. É apenas aquilo que é preciso para caminhar” recorda o responsável.
“O padre é um peregrino e tem que ter o coração esvaziado e é isto o grande drama que muitas vezes acontece” refere ainda lembrando que a nova ordem social e a exposição mediática a que os padres têm sido sujeitos, até por causa do escândalo dos abusos, tornou a situação do padre mais frágil.
“Esta exposição do padre, do sacerdote, não é saudável” lamenta.
Por outro lado, há a questão da importância institucional do padre, que está em queda.
“E eu digo graças a Deus. O ministério do Padre não é ter importância ou preponderância institucional, mas ser fermento, ser fermento na massa. Esta ideia da importância social e institucional do Padre é uma ideia que vem da história da Igreja e que se prende muito com a ideia de poder, de influência social, da influência, aquilo que o Papa Francisco chamava de mundanismo. Tinha as suas coisas positivas e as suas coisas negativas” afirma.
“A perda de importância social do padre vai-lhe dar outra liberdade. A liberdade de ser profeta” diz afirmando que “hoje em dia o sacerdócio depara-se com esta bifurcação. Ou se torna um sacerdote predominantemente institucional, mais litúrgico, ou se torna um sacerdote mais profeta. Um sacerdote que tem que conhecer profundamente os nossos livros, um sacerdote que seja mais cristocêntrico, que vá mais ao Evangelho, retirar a mensagem e a palavra de Jesus”, conclui.
A entrevista do padre José Júlio Rocha ao programa Igreja Açores pode ser ouvida no domingo a partir do meio-dia, no Rádio Clube de Angra e na Antena 1 Açores.