Saudações de Jerusalém – 5.º Dia

Pelo cónego Jacinto Bento

Foto: Patriarcado Latino de Jerusalém.

Enquanto não chega o almoço festivo da Vigília, troco algumas impressões com um sacerdote do Patriarcado Latino de Jerusalém, que tem sido muito ativo na defesa do “pequenino rebanho” quando “assaltado” pelos judeus durante as procissões de ida e volta para o Patriarcado/ Santo Sepulcro. Não me disse nada que eu já não soubesse, mas é sempre bom confirmar com quem vive tudo isto na carne. Disse-me que Jerusalém, apesar de ser a Cidade Santa e o Santuário das religiões abraâmicas é uma cidade cheia de contradições e de fanatismos religiosos.

O diálogo inter-religioso não está a ser fácil, sobretudo em Jerusalém, porque os judeus ortodoxos olham com desdém para os muçulmanos e para os cristãos. Provocam os cristãos de uma maneira geral, destruindo igrejas e cemitérios e deixam uma marca “Tag Price” (preço de sangue).

Eu assisti a várias provocações como já descrevi, desde as invasões nas procissões “oficiais”, “cuspidelas” na Cruz Patriarcal, “impropérios” e muito mais, mas fiquei com a frase do escuteiro a ecoar no meu coração: “temos de dar a outra face”. Mas custa, porque eles não têm esse direito.

Quanto ao diálogo ecuménico, em Jerusalém, é muito difícil.  Acabei de falar neste assunto com o Bispo Shomali, Vigário-Geral, que me informou que em Jerusalém para além dos três Patriarcas residentes (Greco-Ortodoxo, Latino-Católico e Arménio), há sete ritos, cada um com o seu bispo.

Embora a celebração da Páscoa Católica em Jerusalém se tenha revestido da solenidade de sempre, contou com a coincidência da Páscoa Judaica e Greco-ortodoxa, o que não ajudou na confusão que por cá se tem vivido, como fui referindo nas memórias dos dias anteriores.

Quanto à celebração conjunta da celebração da Páscoa Católica com a Ortodoxa, poderá ser viável e recomendável nas paróquias, mas na Basílica do Santo Sepulcro, por razões históricas do Status Quo será muito difícil. Creio que a última vez que esta coincidência teve lugar foi a 16 de abril de 2017. Para ilustrar o que digo acima, de seguida, descrevo os eventos da última noite.

Embora já exausto, decidi participar na procissão do Senhor Morto na Basílica, como já o tinha feito em 2012. Cheguei ao adro que estava completamente cheio e com forças de segurança musculadas, porque estava a acontecer a Procissão do “Senhor Morto”, dos Gregos.

Com muito esforço e porque ia de batina consegui chegar à Basílica, mas fiquei comprimido entre a multidão fanática e eufórica. Com a ajuda dos escuteiros, consegui subir ao Calvário onde estava a acontecer a Estação da descida de Cristo da Cruz e de onde tive uma visão magnifica para todas as cenas que se desenrolaram. Tudo recriado pelos franciscanos com um realismo incrível. Tiraram cada cravo, envolveram Jesus num lençol e levaram-no até à Pedra da Unção, onde foi ungido e depois sepultado. Nem o “Sermão” faltou. Enquanto isto, decorria no exterior a Procissão dos Gregos.

No 3.° dia do Tríduo Pascal tudo começou muito mais cedo, com a procissão a partir do Patriarcado pelas 06:15 porque os franciscanos se anteciparam e tive de ir sozinho, a pé, para a celebração, tendo regressado pelas 10:00.

Qual não foi o meu espanto quando cheguei ao exterior e vi as ruas de Jerusalém todas sitiadas pelo exército e pela polícia, fechadas com grades de ferro e militares armados. Não me deixaram seguir pelo caminho mais curto e tive de tomar outras ruas, mas o cerco, ainda parecia maior. Valeu-me as vestes eclesiásticas e a cada pergunta e paragem que me faziam ia dizendo que ia para a celebração. Consegui chegar a tempo. Depois, soube que todo este aparato das forças militares de Israel foram por causa do “Holy Fire“, a Vigília Pascal dos Greco-ortodoxos e Arménios. Famosíssima porque acreditam que o fogo que acende o Círio Pascal vem do céu e por isso movimenta multidões.

A Vigília Pascal dos Católicos começou com a procissão que saiu da Capela da Aparição de Jesus a Nossa Senhora até à Pedra da Unção onde foi benzido o fogo.

Celebraram seis bispos, entre eles o Patriarca Latino, o Núncio Apostólico, mais de cem sacerdotes e muitos fiéis leigos.

O espaço que resta aos católicos é muito pequeno porque com a conivência dos otomanos, os gregos tomaram quase todo o espaço da Basílica, restando-nos uma parte da Rotunda em frente do Santo Sepulcro, onde é improvisado o altar. A celebração, como nos dias anteriores, foi de acordo com a Liturgia Hierosolimitana.

Depois da Liturgia Batismal (sem batismos), fez-se uma leitura em árabe, uma em inglês, uma em francês e todas as outras e respetivos salmos, cantadas em Latim. O Evangelho foi cantado pelo Patriarca que depois proferiu a homilia em italiano.

Na sua homilia, o Cardeal Pizzaballa, depois de se referir ao evento pascal disse que “parece que nos perdemos em tantas análises, avaliações e projetos sobre a dramática situação em que vivemos e continuamos a basear a nossa esperança nas decisões da política, da sociedade e da vida religiosa que a cada momento nos confirmam ou desmentem”. Após a homilia, seguiu-se a renovação das promessas batismais, a oração dos fiéis e a Liturgia Eucarística.

A missa terminou na Capela Franciscana e seguiu-se a alegre procissão com inúmeros cânticos que se dirigiu até ao Patriarcado, desta vez, sem qualquer incómodo da parte dos judeus. Certamente que o facto de celebrarem o Shabbat deve ter ajudado.

Após a Soleníssima Vigília, seguiu-se o almoço e um convívio fraterno entre os bispos, padres e leigos.

Jesus Ressuscitou! Aleluia!

Scroll to Top