Pelo padre Davide Barcelos

Na última reflexão, partilhei a imagem das abelhas, evocada por Clemente de Alexandria, como símbolo da missão partilhada na Igreja: diferentes no serviço, unidas no fruto. Hoje, retomo este pensamento, descendo ao terreno mais concreto das mudanças dos padres e do impacto real que estas transições geram nas nossas comunidades e em cada um de nós. São momentos de desconforto, mas também são oportunidades de renovação.
Quando era estudante no Seminário Episcopal de Angra, acreditava firmemente que cada paróquia deveria ser uma unidade fechada, com o seu padre, os seus ritmos e a sua autonomia. Defendia esta ideia com entusiasmo, talvez até com alguma rigidez. Mas a vida e o ministério foram ensinando-me outra coisa.
Foi a experiência na ilha das Flores que começou a abrir-me os olhos. Numa realidade mais pequena, com recursos escassos, percebi que o trabalho conjunto entre comunidades não era uma ameaça, mas uma riqueza. Mais tarde, nos Arrifes, esta visão consolidou-se: descobri que delegar funções, articular esforços, partilhar responsabilidades e valorizar diferentes carismas fortalece a missão. Hoje, acredito sinceramente que as Unidades Pastorais são um caminho necessário. Não são uma moda, nem tão-pouco um remendo: são uma proposta pastoral que pode ajudar-nos a viver melhor a fé neste tempo novo.
Com o fim do ano pastoral a aproximar-se, regressa o tema das nomeações e mudanças de padres. Este ano, marcado pelo debate sobre as Unidades Pastorais no último Conselho Presbiteral, talvez seja ainda mais urgente refletirmos profundamente sobre este assunto. A Igreja atravessa um tempo exigente: menos padres, comunidades mais envelhecidas, estruturas difíceis de sustentar. Mas também há sinais de vida nova, sede de autenticidade, vontade de caminhar juntos. A reorganização em Unidades Pastorais pode ser uma resposta pastoral e espiritual. Pode ajudar-nos a regressar ao essencial: o Evangelho, a comunhão, a missão.
Durante séculos, a paróquia foi o centro da vida cristã. Tudo acontecia ali. Mas a realidade mudou. Muitos padres acumulam hoje várias paróquias, tentando manter tudo como era antes. Isto tem gerado cansaço, frustração e, por vezes, uma grande solidão. As pessoas já não vivem como antigamente: são mais móveis, mais exigentes, mais fragmentadas e muitas estão mais sós. A paróquia tradicional já não responde a todas as necessidades. Por isso, as Unidades Pastorais surgem como uma oportunidade de articular forças, repartir dons, criar uma dinâmica missionária.
Este novo modelo exige também um novo estilo de padre. Não somos super-homens. Somos homens com fé, com dúvidas, com cansaço, com desejo de servir. Nas Unidades Pastorais, o padre precisa de ser menos solitário e mais colaborativo. Precisa de liderar com os outros, de confiar, de partilhar, de aprender a estar presente de forma diferente.
Entendo, por isso, que as mudanças dos padres não podem ser feitas apenas com base em critérios logísticos. É necessário pensar pastoralmente. Cada nomeação devia ser fruto de discernimento, escuta e oração. O bispo, os conselhos paroquiais, os conselhos económicos e os próprios padres devem ser parte ativa deste processo. Nomear um padre é confiar-lhe pessoas, histórias, sonhos. Não é apenas preencher uma vaga.
Nos Açores, esta realidade assume contornos ainda mais delicados. Uma mudança entre ilhas não é apenas uma viagem: é uma mudança de cultura, de ritmo, de relações. Exige cuidado. Exige respeito pelos caminhos já feitos, pelos laços criados, pelas amizades formadas. Cada padre tem o seu estilo, a sua sensibilidade, o seu ritmo. E cada comunidade também. Uma mudança bem preparada dá frutos. Uma mudança mal feita fere e divide.
As comunidades também precisam de mudar. Já não podemos esperar ter o “padre ideal”, o “padre de antes” ou o “padre que faz tudo”. É tempo de crescer na corresponsabilidade. Todos somos Igreja. Todos temos uma missão. É necessário acolher com maturidade e fé o que nos é proposto, envolver-se mais, abandonar o comodismo.
E há algo que afirmo com toda a clareza: nenhuma comunidade deveria ser apanhada de surpresa. Mudanças feitas sem aviso ou explicação são vividas como abandono, como desrespeito. A transparência não tira autoridade, gera confiança. E, no fundo, é disto que se trata: confiança, escuta, partilha.
Vivemos tempos desafiantes. Mas podem também ser tempos belos, se os vivermos com fé. As Unidades Pastorais e estas novas formas de nomeação não são o fim da paróquia. São talvez o início de algo novo, mais evangélico, mais centrado em Cristo e no povo. Uma Igreja menos clerical e mais sinodal.
Este caminho exige muito de todos nós. Pede humildade aos padres, compromisso real aos leigos e discernimento profundo aos bispos. Mas acredito, com sinceridade, que se caminharmos juntos, com fé e verdade, podemos dar frutos.
Não se trata de manter tudo como está, nem de voltar ao passado. O mais importante, em qualquer mudança, é garantir a continuidade do caminho pastoral já iniciado, com respeito profundo pelas comunidades, pelas suas histórias e pelas pessoas concretas que nelas vivem e servem. Cada comunidade merece ser acompanhada com atenção, escutada com verdade e servida com dedicação. Mudanças bem preparadas e acompanhadas podem tornar-se momentos de graça e crescimento. O que verdadeiramente importa é cuidar da fé do povo de Deus, servir com humildade e permanecer fiel à missão de anunciar Cristo com autenticidade e proximidade.